12 de novembro de 2022

2 Turno: triste, muito triste

Cemitério Nossa Senhota de Aparecida, 19/05/2020, Manaus, Brasil. Lucas Silva.

 

"O próprio Senhor irá à sua frente e estará com você; ele nunca o deixará, nunca o abandonará. Não tenha medo! Não desanime!

 

(Deuteronômio, 31:8)

 

 

 

Luiz Andrade abriu uma latinha. Bebeu a cerveja em dois goles. Bruto, muito bruto, limpou o resquício da bebida que ficou acumulado nas laterais dos lábios com as costas das mãos.

Sentou-se nos fundos do quintal, solitário e embaixo de um coqueiro, onde os carapanãs sugavam-lhe o sangue das pernas, mas ele não se incomodava. A mãe havia se trancado em um dos quartos. Desesperada em seu catolicismo ferrenho, a senhorinha de 85 anos estava apegada ao terço. Suplicava a todos os santos que guiassem a mente dos homens e iluminassem os salvadores necessários. Amedrontada, ela temia pelo futuro incerto. Nos demais quartos, as tias pareciam fazer o mesmo. Uma dela havia ralhado o pobre Luiz Andrade, pois já eram oito da noite e não era mais hora de se beber dentro de casa, isso causava males à saúde e atraía coisas ruins – e de coisas ruins o país estava atolado. Ele ignorou. Na verdade, por ignorar, diz-se de um "ora, vá pra lá, tia. Vá dormir que é". Era assim que Luiz Andrade ignorava as coisas: mandando a tudo e a todos se foderem.

Debaixo do coqueiro, ele havia desligado o rádio de pilha. O celular estava em mãos, porém nele pouco mexia. Vibrava com um número ininterrupto de novas mensagens, todas lamentando pelo estapafúrdio resultado. Observava o céu particularmente limpo daquele domingo, 30 de outubro. Vez ou outra um animal na vizinhança soltava fogos de artifício, comemorando o enterro do país, a fúnebre morte do Brasil e de tudo o que de mais bonito, ordenado, pacífico e patriótico havia nele, e ao som de Chico Buarque. Até os sambas que moldaram uma geração inteira aqueles malditos ousavam se apropriar e, sobre eles, inventavam novos significados.

Era uma noite bonita, mas triste. Aliás, era essa a tristeza mais profunda de sua vida. Nem quando seu cachorro, Luke, morreu do coração, a tristeza foi tão forte. Nem quando o Vasco foi rebaixado para a série B pela quarta vez, a tristeza havia sido tão arrebatadora. Nem quando viu o tio Alcir, a quem tanto amava e com quem tantas lembranças foram construídas ao longo de 53 anos, ofegante em uma cama de UTI, com as mãos e os pés inchados por conta do sangue que não circulava, da urina que não era expelida, dos antibióticos que não faziam efeito ou da suposta vacina que não tivera tempo nem oportunidade para agir, sofrendo em morte lenta e inevitável, Luiz Andrade se sentiu tão triste.

A melancolia que hoje o abatia era devastadora, em nada comparada às experiências supracitadas. Banal. Terrível. Opressora. A tristeza eleita por quase 60 milhões de brasileiros desinformados, burros, que apoiavam a barbárie do roubo, da impunidade, da ignorância e comungavam com satanistas globalistas, que davam as mãos a obscenidades, a injúrias morais e a profanações como homens que cruzavam espadas e mulheres que colavam velcro. A tristeza escolhida por quase 60 milhões de degenerados que faziam vista grossa aos corpos das criancinhas abortadas, servindo de experimentos nas Universidades Federais, aqueles antros de maconha, orgia e prostituição. A tristeza democrática e fraudulenta, elegida por quase 60 milhões de vagabundos que compactuavam com as criancinhas marajoaras abusadas, que tinham seus dentes arrancados para que ateus adoradores de deuses pagãos inserissem os pênis em suas bocas, a fim de um orgasmo mais rápido, facilitado e profano. A tristeza da tortura. A tristeza da ditadura vermelha, o grande e impiedoso fantasma que agora se materializava sobre nossa terra, que segurava a bandeira brasileira de maneira injuriosa, deturpada, antinacionalista, terrorista acima de tudo, prestes a engolir a nação, mulheres, idosos e crianças. Em silêncio, ele rezou por todas as (supostas) mais de 600 mil almas que padeceram durante a pandemia do novovírus - embora, no âmago, desconfiasse de tal falácia alarmante -, aquelas cujas mortes tentavam desesperadamente atribuir ao Jumentinho (que Deus o confortasse!). Imaginou que tiveram sorte: pois partiram muito antes de testemunharem o país afundar em tal desgraça e não viveriam tamanho absurdo, tamanho desrespeito e tamanha afronta para com suas vidas e seus direitos No fim, que a tristeza de verdade ficasse para os vivos. A tristeza mais profunda de sua vida. A derrota antidemocrática mais democrática que já vivenciou. 

O filho mais velho, ao saber da notícia sacramentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, enviou-lhe uma mensagem lamentosa, comungando com a tristeza do pai. Era fã de uma série de filmes de aventuras no espaço, onde bravos heróis lutavam pela Liberdade e pela Democracia. Na imagem recebida, uma personagem dizia:

 

"É assim que morre a liberdade. Com um estrondoso aplauso".

 

E ele ouvia os aplausos pela vizinhança. Encolhido, enraivecido, decepcionado com as comemorações, com os fogos, com a música alta e horrenda, ofensiva, que nas casas ousava entrar e a tantas crianças doutrinar. Deturpavam as letras de Chico (embora este fosse um cúmplice), de Elis e até a arte de Geraldo Vandré carecia de significado nas mãos deles. Triste. Muito triste.

Luiz Andrade recebeu outra mensagem. Era a tia, juíza de renome, que morava nos Estados Unidos da América, outro país a sofrer com a atual influência esmagadora do Comunismo. Ela dizia:

 

"eu sentir muito, my dear sobrinho. Estou acompanhar notícias trágicas from here. But nom se preocupe, nosso dear Brazil (ela havia se naturalizado estadunidense há mais de 40 anos) nom estar perdido, ele possuir onda esmagadora de fathers and mothers de família, people do bem que compõe a maioria do Brazil. Surely, este resultado nom it's true. Ser fraudulento. The fight doesn't end now! It's only beginning, my dear sobrinho. Um beijo de sua tia que amar vocês, nosso país e nosso nation".

 

Luiz Andrade sorriu acalentado por saber que não estava sozinho, mas não suficientemente esperançoso ou fortalecido, não a ponto de fazer alguma coisa agora. Naquele momento, a tristeza era maior. Maior. Muito maior. 

Ele abriu outra latinha e a bebeu em um só gole. Os fios gelados escorreram pela barba e caíram na camisa amarela que trazia consigo a foto e o slogan:

 

🇧🇷 Jumentinho Messias Grandeasno 2022 🇧🇷

 

De maneira irônica, como um sinal provido pelo próprio Senhor Deus, o fio de cerveja despencou sobre o rosto do Grandeasno, exatamente sobre o olho esquerdo.

Formou-se uma imagem apática, azeda.

Uma lágrima enlutada. 

Molhada, a estampa da camisa parecia chorar.

Uma nação em declínio.

Arruinada.

Era uma noite de profunda tristeza. 

 

 

 

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