I'll never be your beast of burden
So let's go home and draw the curtains
Music on the radio
Come on, baby, make sweet love to me
(Beast of burden – The Rolling Stones)
Antigos amores são
encontrados nas esquinas. Em dias chuvosos. No frio do inverno amazônico.
Atravessei a rua. Inspecionei o céu com desconfiança. As nuvens estavam escuras
e o ar gelado. Passei por um bar onde uma pequena e jovem multidão bebia e
acendia cigarros, todos aqueles que a Dra. Patrícia – Heil –
Stockler tanto tinha certeza de que eu fumava.
Celina acenou de
longe, chamando meu nome. Diferente de como fiz com a enfermeira quase um mês
atrás, acatei o chamado, surpreso em encontrá-la. Ela me sorriu com bochechas
fartas e rosto arredondado de uma típica paraense, cabelo amarrado, pele alva
de uma palidez congênita e insipidez atraente. Não precisou dizer muito. Nem
bastou que anunciasse. Eu a abracei com calorosa felicitação.
Feliz aniversário, eu
disse.
Tu ainda lembras?
Eu sempre
lembro.
Celina me convidou
para sentar. Me apresentou a amiga de trabalho, rosa. Não havia muitas rosas
por aí com menos de quarenta e cinco anos. Esta estava ainda nos trinte e dois.
A mais jovem delas em um jardim cheio de rosalías e robertas, rúbias, ravenas e
rosanas. rosa me apertou a mão com sorriso caloroso. Me ofereceram um copo de
cerveja. Confraternizei com as duas.
Antigos afetos como
Celina sorriem de forma muito genuína. Uma felicidade que dá gosto de ver. Nem
parecia que ela sabia que eu sabia tudo o que detestava saber a seu respeito. A
felicidade é momentânea, reside nas brechas da vida. Aquele era um momento. Ela
celebrou com muitos copos de cerveja como alguém que comemora em dia calorento,
apesar da primeira semana de novembro já começar chuvosa.
Estranho, né?
Chovendo tão cedo. Era pra começar só no finalzinho de dezembro, lá por
janeiro, rosa comentou.
Estranho mesmo, disse
Celina, mas eu gosto assim, do friozinho. Tu gostas também, né? Ela me
perguntou.
Gosto sim, eu
respondi.
Antigos romances também
não esquecem das coisas. Ou eu estava delirando ou ela fez sugestiva menção à
época em que tudo deu certo antes de tudo dar errado. Aninhados no meio do
carnaval, aproveitando a viagem dos pais, enchendo os estômagos sadios com
pizza e coca-cola e coxinha e comida processada. Fez tanto frio naquele ano
quanto agora, com a exceção de que naquela época os dias de novembro costumavam
ser ainda ensolarados, abafados, não chuvosos como agora.
Tá tudo uma bagunça,
eu disse, mas é isso aí, é o aquecimento global.
Menino, e não é?!
rosa exclamou.
Mas Celina não.
Celina ficou calada.
Bebemos e observamos
o clima. O chuvisco se transformou em chuva e de repente a chuva se avolumou,
forte e barulhenta, aproximou-se de nossas canelas sem que o toldo nos
protegesse. Levantamos as pernas. Não arredamos pé. O frio estava
sugestivamente incômodo, então Celina resolveu que queria esquentar as veias.
Misturou o álcool da cerveja com o álcool da cachaça e nem rosa nem eu negamos
o convite. A bebida aqueceu nossos peitos e trouxe-nos um rubor às têmporas.
Foi bom transpirar no frio glacial belenense.
Antigos amores ficam
calorosos quando tomados pelo álcool ou quando sobriamente ficam desinibidos de
todas as convenções sociais e cismas históricos que os impedem de se aproximar,
de dizer olá, de confessar eu ainda sinto saudades. Celina se aconchegou
comigo. Não protestei, porque eu não quis, porque o álcool também me amolecia e
porque, ao invés de ponderar velhas armadilhas e hábitos cíclicos, até antes
daquela tarde meus únicos problemas eram tomar água frequentemente e ingerir
fibras no café, no almoço e no jantar. Meu intestino funcionava sem lavagens
nem angústias. O país enfrentava só nos últimos dias uma onda de civilidade
estranha, coisa que não víamos há mais de cinco anos. Os investimentos
estrangeiros aumentavam, a moeda sofria notória valorização, assassinos
cristãos não aguentavam o fardo e enfartavam e representantes ainda não
empossados viajavam ao Egito para debaterem promessas sobre o clima mundial,
para que as chuvas de novembro viessem só no fim de dezembro, lá pra janeiro, e
que o calor amazônico não nos surrasse o couro como o vinha fazendo na última
década. Apesar de vias paradas, de livros atrasados e da necessidade urgente de
intervenção psiquiátrica em pequenas multidões de gados pingados (uma arruaça
até comum e condizente com a ambientação social dos últimos anos, quase
imperceptível, apenas ruidosa e hilária), o país encarava certo ar de
civilização política avançada, onde homens agiam como homens, mulheres agiam
como mulheres e equinos relinchavam em seus devidos currais, choramingando seus
futuros abates.
Sem avisos, Celina me
beijou o canto da boca. De imediato, respondi ao beijo como uma criança
empolgada.
Por que a gente não
faz isso mais vezes? Ela perguntou.
Antes que eu
respondesse, rosa levantou o copo, brindou ao nosso beijo e entornou a bebida:
Eita, que eu vou
sobrar aqui. Volto depois, deu as costas e entrou no bar.
Por quê? Por que a
gente não faz isso mais vezes? Ela repetiu a pergunta.
A vida, eu acho. Não
sei.
É isso não. Tu somes.
Eu tô sempre por aí,
Celina.
Tá nada.
Suspirei devagar. Era
como pisar em ovos. Um planejamento milimétrico, um discurso sempre ponderado,
pensado, pausado acima de tudo para que as palavras certas fossem ditas e
torrentes espontâneas evitadas (de ambos os lados).
Tamo quase bêbados.
Deve ser isso, eu disse.
E daí?
É quando tu lembras
que eu existo.
Isso é um absurdo,
ralhou ela. Tu pensas em mim todos os dias?
Não.
Viu? Eu também não.
Só quando te vejo ou quando escuto a teu respeito. Aí não consigo evitar. A
bebida só facilita.
É, é verdade. Eu
também fico assim.
Viu?
Então. Eu não sumo.
Eu tô sempre por aí. É que a gente não se esbarra muito. Só isso.
Acho que é.
Desculpa, não queria
começar uma DR, eu disse.
Ela fungou o nariz em
protesto, alcoolizada demais para remoer as pequenas coisas que justificavam as
grandes distâncias.
Eu vou te desculpar
porque hoje é um bom dia. Olha a chuva. Olha tu aqui. Nem tava nos planos, só
apareceu. Até parece o destino, ela então tornou a me beijar.
O rosto arredondado
de Celina cabia entre minhas duas mãos. Não era a primeira vez que fazíamos
aquilo – encontros esporádicos, promessas antigas e retornos certeiros. No próximo
dia, na semana seguinte ou nos meses vindouros, a vida geralmente cobraria o
preço cotidiano. Sabedores disso e desprezando a isso, ignorávamos. A vida era
uma grande tábua de madeira carcomida pelas décadas. Os lábios de Celina,
alcoolizados ou não, eram a grande brecha. Momentâneos.
Feliz aniversário, eu
disse novamente.
Ela agradeceu com um
sorriso trôpego.
Essa última semana
foi um Inferno, sabia? Tudo deu errado no trabalho, pergunta pra rosinha. Três
clientes pularam fora do barco e melaram os contratos do resto do ano. Agora a
gente tem que aguentar burocracia e corte de gastos. Todo aquele blablablá
burocrático, sabe? Não bastasse isso, ainda vivemos nessa loucura de país.
Há muitos anos, na
verdade, complementei.
Há muitos anos nada. A gente
tava indo bem, agora vai ser foda. Acho até que esses clientes que pularam fora
desistiram do contrato por conta do que tá rolando no cenário político. Um
Inferno, essa volta do Comunismo.
Como assim?
É. O Comunismo.
Beijei-a, bem de
leve, a testa. Aí me recompus, permitindo que o sangue fluísse sem confusões
pela cabeça e pelos ouvidos. Olhei em volta. A chuva havia passado e só uma
garoa quase inexistente pairava no céu. Do outro lado, a praça, para onde
estreitei os olhos à procura de algo. Depois continuei buscando embaixo do
toldo, entre os beberrões que nos acompanhavam, em seguida pelo interior do
bar, no balcão, escondido atrás da coluna espelhada, dentro das geladeiras ou
saindo do banheiro.
Cadê ele, Celina?
Ele quem?
O Comunismo. Tô
procurando.
Ela torceu os lábios.
Quer saber? Essa
culpa eu não carrego.
Que culpa, Celina?
De colocar esse homem
de volta no poder. Um absurdo. Um absurdo.
Foda, né?
É. Foda.
Cheirei o topo de sua
cabeça. Afaguei o nariz entre os cabelos castanhos. Inferno. Como podia? Belas
cascas armazenarem tamanho fedor.
Eu sei que tu apóias
esse Molusco. Esse teu silêncio é chato, sabia? Não vais dizer nada? Ela
perguntou.
Não. Fiz uma
promessa.
Que promessa?
Que ficaria calado.
Pra quem?
Pra Nazinha.
Ela gargalhou,
incrédula. E continuou:
Me admiro é de ti,
sabe? Depois de todo esse tempo e depois de tudo o que ele fez.
Ah, é?
É!
O que ele fez?
Ela se afastou,
proferiu um xingamento entredentes tão silencioso e desconexo que não entendi
ou nem quis.
Essa loucura política
tá destruindo tudo, sabe? Eu nem falo essas coisas mais perto da rosinha. A
gente fez um trato: não falamos disso e preservamos a amizade. Tem dado certo.
Meu pai, por exemplo? Ficou louco, louco! Fanático. Não fala mais com o resto
da família de tanto defender esse homem. Não escuta mais a gente, fala que tudo
o que a gente diz é mentira, que a gente tá inventando ou acreditando em
histeria, em fake news. Não é fake, é só a verdade, mas vocês não
gostam de ouvir. Ficam acreditando em cada notícia que sai nessa mídia
esquerdista. Eu me admiro é de ti, sabe? Tu és tão inteligente, eu sei disso.
Tens que saber que eles nos controlam. Sempre, sempre, sempre
controlaram. Só porque um veículo de notícias é grande, não significa que esteja
dizendo a verdade. Pelo contrário, são mal-intencionados. Não vê como eles
perseguem o presidente? Em três anos e meio não deixaram ele governar e agora
tão aí, comemorando a vitória do Molusco. Todo esse tempo comemorando a
derrota, torcendo pra que tudo desse errado. Era contra o progresso do nosso
país que torciam contra, meu Deus do céu! Daqui pra frente é ruína. Ruína. Não
sei nem se vou poder continuar dizendo isso em voz alta sem que venham atrás de
mim.
Tu tá falando sério,
Celina?
Claro, disse ela,
categórica.
E olha, eu sei que tu
vens com essa história de defender o Molusco. Mas tens que parar, tens que sair
dessa bolha e olhar o outro lado da história.
O outro lado, é?
É. Eu te vi nas redes
sociais nesses quatro anos. Posso fazer uma confissão? Ela balançou as mãos e
molhou o lábio com a cachaça, a fim de dar mais desenvoltura à língua e à
vontade de falar.
Sorri de leve e
assenti, apertando-lhe a bochecha com esvaído carinho.
Eu tive que te
silenciar no Face, no Insta e até no Whatsapp. Me desculpa, de verdade. Nem era
por ti, era mais pelo assunto, por todo mundo brigando e deixando de viver
porque um político ou outro fez uma besteirinha. Todos eles fazem isso, são políticos.
Nenhum é inteiramente honesto. São todos iguais. Só que isso virou uma guerra
desnecessária. Tu não paravas de falar, de postar, de criticar... Isso me
cansou, sabe?
Sei.
Por isso te digo que
deverias sair dessa bolha. Prestar atenção no outro lado.
Tá bom.
Outra coisa: eu
adorava os teus textos. Por que não voltas a escrever que nem antes?
Tu achas?
Acho. Desde que essa
loucura começou, paraste de escrever aquelas coisas tão lindas. Eu
amava. Agora é tudo contra o presidente: só falas do presidente, contra o
presidente. Vocês não deixam ele governar. Vocês falam tanto de saúde mental,
de cuidar dos outros, de ter empatia. O Jumentinho foi até
esfaqueado, pelo amor de Deus! Foi perseguido durante anos, não podia nem se
dar ao luxo de ficar nervoso, de se estressar. Agora perdeu as eleições e tá
visivelmente abatido, ninguém lembra que ele também é um ser humano. Coitado.
Tu votaste nele?
Óbvio que não!
Mas...
Olha, nem vem! Eu não
sou nem um nem outro nessa guerra maluca. Só não gosto de ver as pessoas
fanatizadas. O país tá quebrado no meio. As pessoas estão brigando, se matando
por política! Que absurdo.
É, que absurdo.
Agora que acabou e
que vocês elegeram esse Molusco, espero que terminem e parem com essa guerra.
Vocês conseguiram, finalmente. Não podem dar um tempo?
Tentei virar mais um
shot de cachaça, mas já havia terminado. Recorri à cerveja. Molhei a garganta.
Amaciei o cérebro. Aí perguntei:
Queres que eu volte a
escrever como antes?
Sim. Por que não
voltas? Sabe, eu gostava tanto, ela finalmente se apoiou nos meus ombros, a
expressão menos carrancuda. Eu não sou burra a ponto de dizer que arte e
política não se misturam, mas quando uma fica maior que a outra, aí é chato.
Perde a graça.
Entendi.
Eu te leio na
internet, tenho todos os teus livros. Nunca parei de te ler nesses quase 20
anos.
Obrigado.
Mas desde que tu
começaste a misturar política e arte, vem ficando chato.
É?
É. Sinto que teus
personagens estão ficando... sabe... caricatos.
Sério?
Sério.
Muito caricatos?
Bastante. Ninguém é
daquele jeito na vida real.
Não?
Não, ela bebeu o
resto da cachaça. Ninguém diz todas aquelas coisas tão caricatas. A vida real
não é assim.
Ah, não?
Não.
Acho que tu tens
razão, eu disse. Como pode, né? Tamanha caricatura.
Exatamente! Ela
sorriu, alegre e contente por proferir e me fazer enxergar tantas verdades.
Tá bom, envolvi-a
pela cintura e depositei um beijo mais breve que o normal. Eu vou voltar a escrever
como antes.
Ai, que bom! Ela
buscou minha boca para mais um beijo estalado, mas levantei o dedo indicador e
disse:
Lembrei! Lembrei de
uma coisa.
O quê?
Tenho que mijar. Já
volto, anunciei com um sorriso.
Deixei Celina para
trás e me embrenhei entre a pequena multidão que abarrotava o interior do bar.
Aguardei na fila por tempo demais. Deixei que dois sujeitos atrás de mim
passassem na frente.
Depois um terceiro
e depois um quarto.
Fui interrompido pela
voz de rosa:
O que tu estás
fazendo?
Vou no banheiro.
Então por que não
entras?
Eu vou entrar.
Ué? Ela riu, confusa.
Que foi?
Tu já deixaste um
monte passar na tua frente.
Deixei, foi?
Foi.
Ah.
Ficamos em silêncio.
rosa tinha uma simpatia irrevogável, mesmo quando aplacada pela dúvida ou pelo
incômodo. Os longos cabelos crespos e propositalmente embaraçados emolduravam o
rosto confiável. Além de lindo, era um rosto agradável de se olhar, de se
estar. Cartola havia cantado algo sobre rubros, rostos e rosas, não
tinha?
Posso te perguntar
uma coisa, rosa?
Pode.
Tu votaste em quem?
No Molusco, respondeu
ela com latente obviedade.
Essa culpa eu não
carrego, respondi.
Ela revirou os olhos
e, de imediato, retrucou:
Não acredito, eu
esperava mais de ti.
Essa frase não é
minha. Ando escutando com frequência. Tá atravessada no meu intestino? Sabe?
Igual merda acumulada, desabafei, cabisbaixo.
Ela concluiu a tudo
com uma risada trágica. Disse por fim:
Ahhh, é. É. É. Pois
é. Eu sinto muito.
É, eu também.
Um rapaz se aproximou
e ficou parado atrás de mim, dei lugar a ele e indiquei que passasse. O
silêncio entre nós repousou como uma pedra, mas não uma do tipo incômoda. Em
parte, era a atitude dela, agradável e confiante, que servia como um aríete
para o muro das amofinações. Em outra, porque era fácil conversar com rosa. Sem
ovos a pisar, sem discursos para medir, sem palavras a calcular.
Ela cortou o
silêncio:
Posso te perguntar
uma coisa?
Claro.
Vocês dois se
conhecem há muito tempo?
Desde a infância,
quase.
Sempre foram amigos?
Sempre-um-pouco-mais-que-isso,
na verdade.
Vocês parecem bem
juntos. Por que não deram certo antes?
Porque éramos jovens
demais e gente jovem demais faz merda demais, eu acho.
Se estranharam feio?
Pior que não. Foi
sempre tudo muito pacífico, sem brigas.
Legal. E por que não
ficam juntos agora?
Nós estávamos juntos
até pouquíssimos minutos atrás, só que uma caganeira aconteceu.
Ela riu.
Não esse tipo de juntos, ela explicou.
Dei de ombros,
igualmente confuso. Continuei:
Tu passas a vida
inteira com alguém perto de ti e achas que conheces aquela pessoa. Aí, do nada,
as coisas ficam claras. Ou talvez já estivessem. Era só tu que estavas... sabe...
cego demais pra ver. Acho que alguns
de nós envelheceram mal. Acabei de perceber isso.
Entendi.
Pois é.
Trágico, né? rosa ergueu
as sobrancelhas e naquela brecha de momento não identifiquei se o gesto foi um
escárnio bondoso ou um pesar iminente. Ela entornou a latinha de cerveja que
tinha na mão, incomparavelmente mais sóbria que Celina e eu juntos e tão afável
quanto no início da bebedeira.
É, nem tanto,
respondi com estranho ar de alívio. Nem tanto.
Mais um rapaz chegou.
Resolvi sair da fila. Minha bexiga era boa. Aguentava muita bebedeira. Eu só
não queria era mijar mesmo.
Quer saber, rosa? Eu
já tô indo.
Sério? Já?
Já.
Não vais nem se
despedir?
Eu tô me despedindo
agora, dei nela um abraço apertado. Foi um prazer te conhecer. E fiquei feliz
pra cacete em saber que tu és tão responsável por carregar essa culpa quanto
eu.
Ela riu e fez o M do
Molusco com a mão.
Respondi com o mesmo
gesto.
A gente se vê por aí,
ela disse.
A gente se vê por aí,
eu respondi.
Saí pela lateral do
bar, atravessei duas ruas para não passar perto de onde Celina estava. A chuva
e os chuviscos haviam cessado, porém o céu da tarde continuava escuro. Em casa,
repus a quantidade de água para compensar o álcool e amolecer a merda no intestino.
Sentei no vaso. Finalmente mijei. E também caguei, uma boa e progressiva merda
que saiu como um trenzinho, deslizando sem dificuldade pelos trilhos que me
eram as pregas recuperadas, apitando antes e depois de mergulhar na água. A
Dra. Chucrute ficaria orgulhosa. Dei a descarga.
Limpei minha bunda e
tomei banho. A água gelada me escorreu pelo corpo. Lavou-me a alma e livrou-me
de antigos apegos, todos mal envelhecidos e fedendo muito mal. Como podia? O
corpo humano armazenar tanta merda.
De repente, o celular
tocou. Ignorei a pequena e muito contida torrente de mensagens que me
questionavam onde fui parar e que aquele tipo de coisa não se fazia com alguém.
Visualizei. Ignorei. Excluí.
Pouco tempo depois, o
celular tocou de novo.
Uma solicitação de
amizade surgiu na tela.
Era Rosa.
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