Dei entrada na emergência no sábado, noite de Trasladação. Na recepção, um rapaz muito educado, vestido com uniforme verde, me perguntou qual a razão do atendimento.
— Eu não faço cocô há 16 dias — eu disse.
— 16 dias? — Ele gaguejou, fingindo conseguir esconder a surpresa.
Fingi não ter notado.
— Essa merda quer sair, eu quero que ela saia, mas tá doendo pra
cacete. Tá igual uma rocha atravessada no meu cu. Foi uma dificuldade chegar
aqui com esse tanto de gente lá fora — apontei para a Visconde de Souza Franco
que, às dez e meia da noite, estava intrafegável com um mar de gente
atravessando as ruas, peregrinando de volta para a Pedro Álvares Cabral ou
seguindo rumo à Catedral da Sé, subindo a Marechal Hermes e a Municipalidade. —
Tive que descer do Uber na Cabral e vir andando até…
Quando notei que tagarelava além da conta e o rapaz, muito educadamente,
balançava a cabeça fingindo compostura, fingi que meu relato havia terminado e
fingi também que o ato foi deliberado. Ele digitou com dedos ágeis pelo
teclado, me devolveu o cartão do convênio e pôs em meu pulso uma pulseirinha
amarela.
— Dobre no corredor à esquerda e siga a seta amarela. Depois é só
aguardar o médico te chamar.
— Obrigado.
Coxo, como se meu problema fosse nos pés e não no reto, segui pelo
corredor. Havia uma longa e grossa cauda de bonobo querendo sair pelo meu cu.
Ela berrava enquanto tentava arrombar a porta. A única coisa que a impedia de
sair era minha força de vontade e o terror de ser rasgado de dentro para
fora.
No corredor de espera, cruzei com duas madames, uma com o pé quebrado e
a outra com dois dedos do pé enfaixados, fruto do sacrifício exigido por
Nazinha para as almas azaradas. Calçavam sandalinhas Havaianas, surradas. As
mulheres me lançaram um olhar compassivo, como se partilhassem da minha
dor.
— Tu também vieste da Trasladação? — Uma das madames me perguntou.
— Pisaram no teu pé? — Questionou a outra.
Custei a responder. Eu havia saído de casa às pressas, rangendo os
dentes e suando em bicas. Isso explicava meu aspecto abatido e cansado, além da
bermuda caseira e da camiseta folgada, parecendo um romeiro da Nazinha.
— Sim — eu respondi. — Me detonaram. Acabaram comigo.
— Senta, querido — a madame número 1 sugeriu, trocando de lugar para que
eu sentasse na ponta.
— É, senta — a madame número 2 endossou o convite. — Ficar em pé vai ser
pior pra ti, rapaz.
Balancei as mãos em agradecimento e neguei a oferta.
— Vai, senta.
— Senta logo.
Se sentasse, meu corpo relaxaria. A dor que me rasgava o cu seria
absurda. O rabo do bonobo arrancaria minhas pregas e o cheiro de bosta e de
sangue tomariam o corredor vazio do hospital. Ou talvez nem tanto. Ou talvez eu
estivesse desesperado e a Nazinha estivesse rindo de mim, empregando um troco por
todas as blasfêmias que ao filho dEla eu talvez houvesse proferido. Neguei uma
segunda vez. De uma das salas, uma voz feminina chamou pelo meu nome. Acenei
para as madames e entrei no consultório, aliviado.
A médica beirava os trinta anos. Estava atrás de uma mesa, diante do
computador. A pose de tão altiva beirava o ridículo, sobretudo quando me viu.
Cabelos lisos, loiros e muito bem hidratados, de um brilho absurdo que refletia
boa linhagem econômica, mas a coloração nas pontas e na raiz não era natural,
salientava apenas o branco do jaleco e dava um tom um pouco mais claro à pele.
As sobrancelhas possuíam um alinhamento perfeito, como se pinceladas pelas
deusas da beleza. Os longos dedos eram sinuosos, as unhas, um brilho. No peito,
o jaleco exibia o nome em fontes de costura em alto relevo: Dra. Patrícia
Stockler. Ao lado do sobrenome, um raminho de flores rosadas.
A Dra. Refinamento me olhou com estranheza, semicerrou os olhos, franziu
as sobrancelhas de maneira muito distinta e elegante, claro. Elevou as costas,
enrijecendo a postura. Não o fez por me ver entrar na sala de consultório com
olhar manco e suor frio, a fim de me passar segurança ou acolhimento, mas sim
porque ao meu rosto reconheceu de anos atrás e notou que ao dela eu também
reconheci.
— Olha só. Olá — ela disse de maneira muito robótica, olhando minha
ficha novamente e lendo meu nome para então proferi-lo com mais confiança,
fingindo que se lembrava dele. — Quanto tempo.
— Quanto tempo, Patrícia — respondi com um sorriso largo, fingindo
felicidade em revê-la, mascarando que sobre ela tinha boas lembranças e
dissimulando, acima de tudo, que o olhar altivo e enojado que ela carregava nos
olhos castanhos desde a época do ensino médio não estava mais ali. —
"Doutora Stockler". Sobrenome bacana. Tu trocaste, foi?
— Eu casei.
Só um sobrenome estrangeiro e bonito faria com que ela substituísse
aquele de nascença e que com tanto orgulho exibiu por anos, sobretudo na
graduação em medicina ou nos primeiros anos de atuação.
— Chique demais. Stockler. É o quê, russo?
O sorriso dela tremeu. Muito elegantemente, ela corrigiu:
— É alemão. Meu marido tem descendência alemã.
Heil, Stockler.
Patrícia apontou para a cadeira, sugerindo que eu sentasse. A terceira
madame só naquela noite. Já tava ficando chato.
— Diga-me, o que tu tens? — Ela usou o pronome no caso oblíquo com muita
elegância, coisa que nem nestas linhas foi usado. A propósito, cada frase que
Patrícia dizia era muito suave, um polimento despropositado que só as classes
altas belenenses utilizavam, já que a vida era senão uma grande reunião de
negócios embalada por vinhos de 40 anos, muito refinados, advindos das mais
selecionadas safras do sudeste brasileiro.
— Então, Patrícia, posso te chamar de Patrícia, né?
— Claro…
— Então, Patrícia, eu não faço cocô há 16 dias. Hoje o rabo do macaco
quis sair, e de fato até quer, mas tu deves imaginar que tá me rasgando
inteiro por den…
— Entendi — ela pigarreou e digitou no computador. As unhas bem feitas
de um esmalte rosa pastelão fazendo tec-tec-tec no teclado. A aliança de ouro
no anelar esquerdo só não era mais delicada que a doçura dela. — Tens
herromoidas?
— Não, Patrícia.
Ela sorriu, incomodada. Parecia ter esquecido que seu nome era esse e
não “Dra. Patrícia” ou “Dra. Chucrute”.
— Já tiveste isso antes?
— Já, mas não a esse ponto. 16 dias é muito. Geralmente não passa dos
10.
Ela ousou me olhar com um misto de nojo e repreensão, mas deteve-se.
Isso foi o mais próximo que chegou de me enxergar como humano.
— Tu precisas beber bastante água e adequar tua alimentação.
— Certo.
— Eu vou passar uma lavagem.
— Tá bom.
— A gente não pode deixar esse fluxo intestinal parado por tanto tempo
assim. Em casos mais graves, só com cirurgia pra desobstruir o intestino.
— Sim, senhora.
— Se ocorrer tudo normalmente com a lavagem de hoje, não vais precisar
se preocupar, até porque a lavagem é rápida — ela digitou mais algumas
informações. Em nenhum momento me olhou nos olhos. — Mas depois daqui te sugiro
procurar uma nutróloga pra se adequar a uma dieta balanceada com fibras. O que
tu tens feito?
— Eu tenho comido carne vermelha, carne branca…
— Não. Da vida. Depois do ensino médio. O que tu tens feito?
— Fiz Letras Língua Portuguesa.
— Professor de português? Interessante — disse ela, com desdém
polido.
— Mas não terminei.
— Oh, que pena.
— Aí fiz Jornalismo.
— Poxa, que legal.
— Mas também não terminei.
— Ah — ela sorriu e continuou a digitar, forçando concentração no
receituário infinito.
— Publiquei alguns livros até agora.
— Olha, que legal. Autoajuda? Ilustração?
— Ficção.
— Ah — ela imprimiu dois pedaços de papel e me entregou. — Entrega na
enfermaria, a outra é receita de um laxante. Se tu ficares bem depois da
lavagem, nem precisas voltar aqui — enfatizou, uma discreta espécie de súplica.
— Marca uma consulta com uma nutróloga e também procura algum
coloproctologista.
— Colo-o-quê?
— Coloproctologista — a dicção impecável.
— Ele cuida do quê? Do cu?
Ela forçou um sorriso.
— Ah, e o álcool não faz bem para a prisão de ventre. Melhor parar com
altas doses de bebida alcoólica, por enquanto.
— Mas eu nem bebo com freq…
— A nicotina também prejudica o trato intestinal.
— Espera, sério?
— Sério.
— Caramba, dessa eu não sabia.
Também não sabia que eu fumava.
— Tu és escritor, né? — Perguntou ela, só para se certificar de mais
algum conselho médico. — É sempre bom voltar a estudar. Tenho um tio bem
distante que é idoso e se formou agora, aos 64 anos. Quero dizer, de fato
nem é meu tio. É mais um primo distante do lado distante da minha família
paterna — ela esclareceu com muito afinco. — Mas vai lá, força. Tu consegues.
Tem muitos trabalhos dignos e de verdade por aí.
Fiz um sinal positivo com a mão e agradeci:
— Obrigado, Patrícia. Quer dizer: obrigado, Dra. Stockler.
O sorriso dela se reavivou. Com as migalhas da adoração distribuídas, o
ego retornou ao seu ponto de conforto.
— Stockler. Sobrenome grã-fino. É o quê mesmo? Húngaro, né?
— Alemão. É de descendência alemã.
Saí do consultório e me arrastei até a enfermaria. Entreguei o
receituário a uma das enfermeiras de plantão, que não era madame, mas
igualmente me mandou sentar. Fiquei recostado na parede enquanto, já às quase
onze horas da noite, com corredores quase vazios além das duas madames fazendo
raio-x, o hospital estava quieto e silencioso. Precisei esperar a boa e lenta
vontade das enfermeiras que digitavam mais instruções no computador e se
indispunham de levantar das cadeiras.
Para conter a fúria do rabo de macaco querendo me atravessar o reto,
peguei o celular em mãos a fim de qualquer distração. Digitei o nome da Dra.
Sangue Azul nas redes sociais e encontrei fotos do casamento, dos arranjos de
flores, do salão em ambiente abastado e dos olhinhos germânicos do marido. A
cerimônia havia sido há três meses na Basílica de Nazaré, aos pés e sob as
bênçãos da própria Nazinha que, naquele momento, tinha a imagem peregrina
abençoando o povo que suava de verdade, que sofria de verdade, que vivia num
mundo de verdade e que, apesar das eventuais madames, até quebrava os pés e os
dedos dos pés de verdade, dores suscetíveis aos pobres e aos vagabundos, ao
contrário dos abastados que tinham arranjos de flores rosadas ao lado do
sobrenome emprestado, em bordado elitizado de uma costumeira brancura superior,
fadados a assinarem receituários ad infinitum sem nunca erguerem os olhos na
direção da plebe que com eles se consultava.
Em uma das postagens da Dra. Elegância, de exatas oito horas atrás, ela
dizia:
Pelo bem de nós, cidadãos, reafirmo meu voto na defesa de nossa
integridade e de nossa segurança. Quando um bandido te atacar e depois sair
impune, você faz o M do amor. Pois no Brasil nós somos atacados, os agentes da
Lei são atacados e os bandidos são soltos, são perdoados e tidos como vítimas
da sociedade. Quando isso acontecer e de novo estivermos afogados em maldade,
quando o crime compensar e a Ditadura Comunista retornar, você faz o M e o
coração do amor. ♥️
Dois dias antes do pequeno e surpreendente texto, houve outro:
O Presidente Jumentinho Messias Grandeasno governou por quatro anos sob
constante e descarada perseguição de uma mídia que o acusou de barbáries jamais
cometidas e aqui nunca mencionadas. Da parte dele, nunca vimos sequer uma
tentativa de censura. Nada! O candidato Luiz Ignácio Molusco da Silva nem
governa e, apenas em sua campanha, vê-se um espetáculo de censura e de ameaças
de regulação da mídia, impedida de noticiar sobre os kits de ideologias de
gênero nas escolas ou sobre as mamadeiras eróticas em creches municipais.
O que você vai decidir dia 30 de outubro é muito sério. Seja
responsável. Pense em nossas famílias e no futuro de nossos filhos e das
próximas gerações. Não carregue a culpa de entregar o Brasil às quadrilhas
Comunistas.
A liberdade, mais que um tubo de oxigênio, é vital para a nossa
sobrevivência. É o que temos de mais precioso e é o que países que já a
perderam jamais recuperaram. O Brasil jamais, em momento algum de sua história
recente, perdeu ou teve sua liberdade censurada, não da maneira como agora tem
sido ameaçada.
Prestem atenção! Não caiam na laia do Molusco. Hoje você faz o M com
amor, amanhã terá sua liberdade de expressão calada.
Chega! 🇧🇷
A pontada no meu reto veio com força. Gemi e bloqueei a tela do
celular. Uma longa lufada de ar me escapou pelo nariz.
— Que merda. Que cacete. Como pode?
No fim do corredor, outra enfermeira chamou pelo meu nome, mas não
respondi. Os poucos sujeitos que aguardavam sentados se entreolharam, à procura
do paciente anunciado. Como se eu também estivesse procurando o sujeito, fiz o
mesmo. Ela me chamou pela segunda e pela terceira e pela quarta vez, porém eu
já havia saído do corredor e voltado à recepção, mancando da mesma forma com
que havia me arrastado até lá. Arranquei a pulseirinha amarela do braço e saí
pela porta da frente do hospital.
A Doca continuava abarrotada de romeiros, a maioria bondosa,
compartilhando a fraternidade cristã e embalada pela devoção à Nazinha – porém
só durante aquele fim de semana, pois na segunda-feira vestiria seu uniforme
verde e amarelo, empunharia suas armas nas mãos (imaginárias ou não) e
retornaria ao hábito e à programação normal. Longas filas de carros se juntavam
ao coro de vozes, buzinas, sinalizações e apitos inúteis dos guardas do Detran.
Andei em meio aos caridosos e cansados romeiros como se fosse um deles,
disfarçado sem que ninguém percebesse que eu estava em intensa angústia retal.
Arrastei-me em absurda agonia por dois quarteirões até a farmácia mais próxima
e comprei o laxante receitado pela Dra. Liberdade de Expressão.
O caminho de volta para casa foi bem mais doloroso. Não haviam carros de
aplicativos com tarifa menor que 50 reais, os ônibus estavam abarrotados e a
maioria das ruas, fechada. Por sorte, aquele sequer era o olho do furacão caótico
no qual a festividade santa transformava a cidade durante todo mês de outubro.
Dois quilômetros, 39 minutos, 10 quarteirões e 21 pontadas no meu ânus
depois, cheguei em casa. Eu suava como um porco no abate. Se pela caminhada ou
se pela agonia, era impossível afirmar. Engoli 3 comprimidos de laxante com um
gole de água. Esperei que fizessem efeito. Sentei no vaso. Meu corpo inteiro
relaxou. Meu cu se abriu.
Fiz força.
Fiz força.
Inútil, abri o chuveiro. Quando a água começou a cair e meus gemidos se
tornaram inaudíveis para a vizinhança, fiz mais força. Pensei na liberdade de
expressão do meu pobre cu, impedido de despejar tanta merda. Calado.
Silenciado. Amarrado pelas amordaçadas patológicas do Comunismo que toda a
merda produzia e toda a merda lhe pertencia. Maldito! Fiz mais força. Apalpei a
parede. O suor ensopava meu corpo, descia do topo da cabeça, encharcava minhas
costas, deslizava pelo meu cóccix, serpenteava o meio da minha bunda e ajudava
a lubrificar o buraco já fragilizado do meu ânus. As pregas segurando o que já
não aguentavam segurar: a grossura de uma garrafa grã-fina de vinho refinado de
40 anos tentando rasgar reto e carne de dentro para fora. Um planeta anão,
pobre Plutão, querendo sair, ver-se livre da censura, do AI-5 pelo AI-5, em busca
da piscininha no vaso sanitário, a tão sonhada liberdade possibilitada somente
pelos Militares, os bravos heróis de nossa nação, homéricos protetores da
burocracia, de canhões enferrujados e de memórias empoeiradas, de feitos
lendários porém fantasiosos que só o Camisão de Lima Barreto poderia confirmar,
guerreiros fortes, barrigudos e broxas, viciados em azulzinhas e mergulhados na
lama da selva, nobres rapazes viris com armas em punho, pescoços femininos e
docentes entre os dedos, e acima de tudo. frágeis, muito frágeis, como
capivarinhas fazendo cri-cri-cri-cri aos seus destemidos superiores.
A merda acumulada entre meus órgãos só queria sair. Só queria a
liberdade. Um direito cívico e constitucional.
Fiz força.
Fiz força.
Vai lá, havia dito a Dra. Com-Nome-de-Luxo, força.
Tu consegues.
Pensei naquele rostinho bem cuidado, naquela pele alva
dermatologicamente bem tratada e de alto preço no tráfico humano, caso fosse
arrancada e vendida para satisfazer aos fetiches de algum gringo ricaço (um de
verdade). Pensei nas madeixas loiras. Pensei na maneira como, desde a
adolescência, fuzilava todos os outros com aqueles olhos castanhos desprovidos
de humanidade. Tão amada pelos pedófilos professores que hoje enfeitavam
lápides como santos do Senhor. Tão agraciada pelo alto escalão da escola, um
rosto belo, exemplar, moldado para estampar os outdoors da cidade como um
promissor troféu de fim de ano. Pensei naquele olhar que não enxergava os
pacientes. Pensei na tão séria, genuína e relevante preocupação que possuía
para com o país, a liberdade de expressão e a punição de bandidos descarados
que pilhavam a política brasileira de corrupção – sempre os dos outros, nunca
os dela.
Vai lá, havia dito a Dra. Soberba com típico desdém, força.
Tu consegues.
— Ô, Nazinha. Se tu me ajudares a cagar essa merda, eu juro… paro de
falar mal do teu filho. Ô, Nazinha, por favor, me ajuda com essa mer… desculpa.
Me ajuda, por favor. Eu juro, Nazinha, vou ser uma pessoa melhor. Não vou mais
discutir na rua nem incitar confusão pública. Não vou mais brigar com parente.
Vou respeitar meus familiares mais velhos, mesmo eles sendo uns
protofascistinhas desgraçados, adúlteros e hipócritas. Olha só, Nazinha, eu
juro que vou parar de brigar e de me ofender por política, eu juro! Me
ajuda… Por favor.
Fiz mais força.
— Olha só, Nazinha. Se tu me ajudares com essa merda… ah, me desculpa de
novo, me desculpa… eu vou ser uma pessoa melhor. Não vou mais blasfemar contra
Deus nem fazer piadas. Mas olha, assim, que fique claro: eu não posso fazer
muito além daquilo que posso fazer, tá? Não vou pagar promessa na corda nem
andar de joelhos pela avenida Nazaré. Tem algum problema? Apesar de tudo, eu
juro que vou ser um cara melhor, tá bom? Isso eu prometo. Juro. Também paro de
escrever besteira. Eu juro que paro de cutucar os outros fingindo que isso é
literatura urbana e barata, é que eu não posso fazer nada se… a Senhora sabe, é
pra isso que eles servem. A Senhora entende, né? Mas eu juro que vou parar.
Juro. Só… por favor… me ajuda, Nazinha. Me ajuda. Me faz cagar, Nazinha. Por
favor.
Fiz força.
E mais força.
Enfim a tora saiu. Rasgou meu cu, rasgou minhas pregas. Sangrei como um
soldado abatido. Depois do primeiro tiro, caguei uma sucessão de quatro longos
troncos de excremento. Cada um arregaçando meu ânus até ele se tornar o próprio
O Grito de Edvard Munch. A cada trovejar, o relâmpago marrom friccionava minha
pele avermelhada, ardia o ardor dos Infernos, a princípio fazendo "ploft"
na água, um meteorito denso caindo no oceano. Ao fim, com as quatro longas
projeções de mais de vinte centímetros atoladas no vaso, o último não fez ploft,
pois estavam acumulados acima d'água, como um bolo de chocolate em pé sobre a
cobertura, não o contrário. Como podia? O corpo humano armazenar tanta merda.
Quando a tempestade acabou, arrastei-me até o banheiro, fraco e abatido.
A água me lavou o corpo, o suor, a lameira biológica e o sangue escuro. Lavei
meu abrandado reto com muita cautela e fiquei debaixo do chuveiro até que o
sangue cessasse e parasse de escorrer pelo azulejo claro junto a água. Em
seguida saí do banheiro. Exausto, deitei na cama de bruços. Mofino, caí no
sono.
Já era domingo, dia de Nazinha.
A esta cidade ela abençoava e, ao alívio, meu cu ela entregava.
Tranquilo, muito tranquilo era o sabor da liberdade.
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