26 de agosto de 2015

Matinal



Sempre que acordava, virava-se ao Oeste e fazia sua particular oração, era um ritual sagrado e indispensável. Onde quer que estivesse, fosse em casa, fosse sob outros tetos, sobretudo na hora de esvaziar a bexiga, fazia sua oração. Ela era bem específica: “tu andarás na direção contrária ao nascer do Sol, pois não é luz a quem procuras”. E assim ele orava, o vinha fazendo há alguns meses como forma de preparação para algo maior, um sonho tão pertinente que tivera aos quinze, porém que parecera acompanhá-lo pela vida inteira – estivera sempre ali, sussurrando em seu ouvindo, acompanhando cada passo, auxiliando cada pensamento, dando forças a cada questionamento e revolta. Por vezes amparado, por vezes castigando, porém nunca, jamais abandonando. Fosse quem fosse, tivesse o rosto que tivesse, perverso ou não, zombeteiro ou não, estava ao seu lado. Já nem importavam quais as suas verdadeiras intenções, desde que garantisse tudo aquilo que o lado do Sol não o garantiria em uma vida inteira, para ele tudo bem. E vivia em relativa paz por essa razão. No fundo acreditava. No fundo, sob a máscara da descrença, ele acreditava nas forças que o cercavam, mais no “mal” do que no “bem”, embora tivesse profundos questionamentos filosóficos sobre o ponto de vista do que é realmente bom e o que é realmente mal.
Achava hilário o julgamento alheio acerca de seu estilo de vida e, sobretudo, sobre a tristeza latente que sempre o impregnou a alma. Diziam que aquele peso sobre suas costas era a consequência dos falsos deuses a quem louvava. Ele então sorria e assentia, corrigindo mentalmente cada um deles de que não louvava falsos deuses, mas sim apenas a um, e este poderia ser tudo, menos um deus. Ele era mais, de sua própria maneira e com seu próprio estilo. Era mais que carne e osso, era mais que mera fantasia, era mais que uma distorção e muito mais que um mero bode expiatório para abdicar da natureza humana a própria maldade, perversidade e devassidão. Ele era um conceito, uma libertação, uma particular comprovação do falso livre-arbítrio que pregavam.
Sem ninguém saber, todos os dias pela manhã, levanta-se e virava para o Oeste, fazia sua estranha oração e voltava a dormir.
Sentia-se em paz com isso, sentia-se finalmente acolhido, compreendido e, claro, havia todo o desprezo e divertido escárnio – honestamente, a parte mais interessante em todo aquele rito matinal. 


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