Sempre que acordava, virava-se ao
Oeste e fazia sua particular oração, era um ritual sagrado e indispensável.
Onde quer que estivesse, fosse em casa, fosse sob outros tetos, sobretudo na
hora de esvaziar a bexiga, fazia sua
oração. Ela era bem específica: “tu andarás na direção contrária ao nascer
do Sol, pois não é luz a quem procuras”. E assim ele orava, o vinha fazendo há
alguns meses como forma de preparação para algo maior, um sonho tão pertinente
que tivera aos quinze, porém que parecera acompanhá-lo pela vida inteira –
estivera sempre ali, sussurrando em seu ouvindo, acompanhando cada passo,
auxiliando cada pensamento, dando forças a cada questionamento e revolta. Por
vezes amparado, por vezes castigando, porém nunca, jamais abandonando. Fosse
quem fosse, tivesse o rosto que tivesse, perverso ou não, zombeteiro ou não,
estava ao seu lado. Já nem importavam quais as suas verdadeiras intenções,
desde que garantisse tudo aquilo que o lado do Sol não o garantiria em uma vida
inteira, para ele tudo bem. E vivia em relativa paz por essa razão. No fundo
acreditava. No fundo, sob a máscara da descrença, ele acreditava nas forças que
o cercavam, mais no “mal” do que no “bem”, embora tivesse profundos
questionamentos filosóficos sobre o ponto de vista do que é realmente bom e o
que é realmente mal.
Achava hilário o julgamento alheio
acerca de seu estilo de vida e, sobretudo, sobre a tristeza latente que sempre
o impregnou a alma. Diziam que aquele peso sobre suas costas era a consequência
dos falsos deuses a quem louvava. Ele então sorria e assentia, corrigindo
mentalmente cada um deles de que não louvava falsos deuses, mas sim apenas a
um, e este poderia ser tudo, menos um deus. Ele
era mais, de sua própria maneira e com seu próprio estilo. Era mais que carne e
osso, era mais que mera fantasia, era mais que uma distorção e muito mais que
um mero bode expiatório para abdicar da natureza humana a própria maldade,
perversidade e devassidão. Ele era um
conceito, uma libertação, uma particular comprovação do falso livre-arbítrio
que pregavam.
Sem ninguém saber, todos os dias pela
manhã, levanta-se e virava para o Oeste, fazia sua estranha oração e voltava a
dormir.
Sentia-se em paz com isso, sentia-se
finalmente acolhido, compreendido e, claro, havia todo o desprezo e divertido
escárnio – honestamente, a parte mais interessante em todo aquele rito matinal.
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