A primeira vez que pisei em um
aeroporto foi para te ver ir embora.
Você estava com aquele suéter
vermelho de listras brancas e pretas que me fazia sempre pensar no clipe do
White Stripes e daquela vez que escutamos seven nation army partilhando o fone
de ouvido. Você foi a pessoa a quem eu mais vinculei músicas na vida, talvez (e
o “talvez” encaixo aqui apenas por meros esteticismo e drama) porque tenha sido
você o meu primeiro grande-amor-da-vida. Lembro que seus cabelos estavam
úmidos, desembaraçados pelo vento dentro do táxi ou por descuido ao ter
esquecido de penteá-lo. Alguns detalhes nunca nos escapam da cabeça. Eu até
lembrava o modo como um dos fios caía sobre a sua testa quando veio me abraçar
como se não esperasse que eu estivesse ali na última vez. Eu era jovem demais,
mas tinha em mim a certeza de que o tempo nos massacraria para uma eternidade
infindável que poderia durar uma semana, três meses ou um ano – já faz quase
dez e, eu sei, não vai terminar ainda.
Eu sempre soube que no instante em
que entrasse naquele avião, esta cidade já não mais seria a mesma, nem as
minhas linhas, pobres linhas de intensas e desmedidas palavras que, sim,
lapidaram-se com o tempo, mas perderam o fôlego e o propósito a cada sujeito
descrente que me chamou de covarde por dedicar a você tanto entusiasmo e
esperança. A cidade tornou-se exatamente isto: um aglomerado de ruas cheias de
chuva e alagamento e mangas caindo em cabeças desligadas daqueles sonhos que
desenhamos no calor dos nossos braços e no suor do seu pescoço em tardes de
aulas matadas e horas escondidas de pais desconhecedores de nossas aventuras. A
cidade tornou-se um vazio de pessoas aleatórias que me aplacaram vez ou outra,
mas jamais sem os suspiros que tua voz mansa de olhar nebuloso me causou.
Eu te vi embarcar naquele avião sem
pedir desculpas por ter ocultado todas as vezes que por ti senti ciúmes e que em
ti pensava mais do que fiz questão de mostrar; eu te vi embarcar sem ao menos
verbalizar o quanto realmente todos aqueles textos eram pra você e o quanto eu,
pobre, tão pobre, era jovem e inexperiente demais para saber amar.
Te amei mais aqui dentro do que fora e isso foi um erro grotesco, mesmo
para as crianças que éramos.
Você partiu para deixar esta cidade à
margem de uma vida futura e insossa, sem a lista sonora de imensa extensão que a
ti dediquei – a primeira delas, do Skid Row, onde estou caindo aos pedaços até
hoje, quebrando, partindo, quebrando e partindo e quebrando de novo. Quando
você partiu, naquela noite eu me afoguei em Táticas Vanilla Sky, sobretudo
quando Ricotta canta “e essa cidade já
não tem a menor graça quando você não tá por perto”. Eu não me afogava em álcool
na época e nem acendia cigarros para queimar meus demônios, mas vinha você de
um histórico inconsequente com drogas que, aos poucos, foi se distanciando
quando conheceu a mim, aos meus olhos inchados e ao meu corpo – gosto de pensar
que pelo menos uma vez na vida fui a salvação para alguém.
Daí em diante, foi ladeira abaixo.
Aquela ladeira chamada distância;
aquela ladeira chamada, por consequência, de vida. Esperava eu que você relembrasse de nossos breves momentos de
vidas tão jovens e ferrenhas que mais de fantasias foram feitas do que atos
consumados de fato. Esperava eu que você relembrasse a primeira vez que fomos
um só e que nossos corpos frágeis conheceram os segredos e as melhores maneiras
de conduzirem-se, juntos, naquela dança entrecortada, suada e atrapalhada. Esperava
eu que aquele voo não apagasse de nós dois as marcas na pele um do outro,
embora agora gradativamente invisíveis e aptas a dar lugar a outras mãos, outros
dedos e outras cicatrizes.
Como bem derradeiramente haverão de
dar.
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