6 de maio de 2017

Suéter white stripes



A primeira vez que pisei em um aeroporto foi para te ver ir embora.
Você estava com aquele suéter vermelho de listras brancas e pretas que me fazia sempre pensar no clipe do White Stripes e daquela vez que escutamos seven nation army partilhando o fone de ouvido. Você foi a pessoa a quem eu mais vinculei músicas na vida, talvez (e o “talvez” encaixo aqui apenas por meros esteticismo e drama) porque tenha sido você o meu primeiro grande-amor-da-vida. Lembro que seus cabelos estavam úmidos, desembaraçados pelo vento dentro do táxi ou por descuido ao ter esquecido de penteá-lo. Alguns detalhes nunca nos escapam da cabeça. Eu até lembrava o modo como um dos fios caía sobre a sua testa quando veio me abraçar como se não esperasse que eu estivesse ali na última vez. Eu era jovem demais, mas tinha em mim a certeza de que o tempo nos massacraria para uma eternidade infindável que poderia durar uma semana, três meses ou um ano – já faz quase dez e, eu sei, não vai terminar ainda.
Eu sempre soube que no instante em que entrasse naquele avião, esta cidade já não mais seria a mesma, nem as minhas linhas, pobres linhas de intensas e desmedidas palavras que, sim, lapidaram-se com o tempo, mas perderam o fôlego e o propósito a cada sujeito descrente que me chamou de covarde por dedicar a você tanto entusiasmo e esperança. A cidade tornou-se exatamente isto: um aglomerado de ruas cheias de chuva e alagamento e mangas caindo em cabeças desligadas daqueles sonhos que desenhamos no calor dos nossos braços e no suor do seu pescoço em tardes de aulas matadas e horas escondidas de pais desconhecedores de nossas aventuras. A cidade tornou-se um vazio de pessoas aleatórias que me aplacaram vez ou outra, mas jamais sem os suspiros que tua voz mansa de olhar nebuloso me causou.
Eu te vi embarcar naquele avião sem pedir desculpas por ter ocultado todas as vezes que por ti senti ciúmes e que em ti pensava mais do que fiz questão de mostrar; eu te vi embarcar sem ao menos verbalizar o quanto realmente todos aqueles textos eram pra você e o quanto eu, pobre, tão pobre, era jovem e inexperiente demais para saber amar.
Te amei mais aqui dentro do que fora e isso foi um erro grotesco, mesmo para as crianças que éramos.
Você partiu para deixar esta cidade à margem de uma vida futura e insossa, sem a lista sonora de imensa extensão que a ti dediquei – a primeira delas, do Skid Row, onde estou caindo aos pedaços até hoje, quebrando, partindo, quebrando e partindo e quebrando de novo. Quando você partiu, naquela noite eu me afoguei em Táticas Vanilla Sky, sobretudo quando Ricotta canta “e essa cidade já não tem a menor graça quando você não tá por perto”. Eu não me afogava em álcool na época e nem acendia cigarros para queimar meus demônios, mas vinha você de um histórico inconsequente com drogas que, aos poucos, foi se distanciando quando conheceu a mim, aos meus olhos inchados e ao meu corpo – gosto de pensar que pelo menos uma vez na vida fui a salvação para alguém.
Daí em diante, foi ladeira abaixo.
Aquela ladeira chamada distância; aquela ladeira chamada, por consequência, de vida. Esperava eu que você relembrasse de nossos breves momentos de vidas tão jovens e ferrenhas que mais de fantasias foram feitas do que atos consumados de fato. Esperava eu que você relembrasse a primeira vez que fomos um só e que nossos corpos frágeis conheceram os segredos e as melhores maneiras de conduzirem-se, juntos, naquela dança entrecortada, suada e atrapalhada. Esperava eu que aquele voo não apagasse de nós dois as marcas na pele um do outro, embora agora gradativamente invisíveis e aptas a dar lugar a outras mãos, outros dedos e outras cicatrizes.
Como bem derradeiramente haverão de dar.
   


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