31 de outubro de 2021

A Gata Preta (Parte III)

 



III.

Casa

 

 

Dona Ilda perguntou mais uma vez:

– O senhor tem certeza?

José já pusera sua assinatura em pelo menos três folhas.

– Eu tenho, sim.

– O senhor sabe que leva tempo pra eles se adaptarem, ainda mais depois desse tipo de situação tão... ai, meu Deus... tão horrível.

José balançou a cabeça.

– Como eles estão?

– Menos assustados e interagem melhor com os demais gatinhos. Mas eles não se desgrudam, por isso, apesar de te perguntar isso, fico feliz que possas levar todos eles.

– É, pois é. Separar os quatro seria injusto.

– Como eu avisei – Ilda, dona do abrigo de animais, retornou ao assunto enquanto apontava para o termo de compromisso. –, eles precisam se adaptar. Isso vai levar provavelmente mais um mês, no mínimo. O senhor tem condições necessárias pra cuidar deles?

– Tenho.

– E a sua casa?

– É um apartamento. Eles permitem animais. Vou telar as janelas. Minha filha vai adorar.

– Ótimo. Mas... – ela pareceu relutante. – Os 4 gatos são pra sua filha? Ela é criança?

– Não, não são pra ela – José sorriu. E então suspirou. – Eu tive um gatinho na infância, o Stalone. Ele desapareceu. Na verdade, faz pouco tempo, descobri o que aconteceu com ele. Acho que tá na hora de superar isso. E também, desde que eu entrei naquela casa, sabe.... Acho que eles me ganharam ali.

 Dona Ilda ficou em silêncio, analisando o breve relato do investigador. De repente, talvez munida pelo mesmo senso inexplicável de santos que batem (ou não) e de faros investigativos, a dona do abrigo se deu por convencida.

– Ao longo dos meses vou sempre manter contato com o senhor, pra saber como eles estão. Tem gente que leva, acha que os bichinhos são só pra catar e bater foto, e não cuidam direito. Mas tem uma coisa que eu não entendi, seu José.

– O quê?

– Por que o senhor informou pros conhecidos da moça que alguns não sobreviveram e outros fugiram? Os familiares ou amigos não podiam ter ficado com eles?

– Dona Ilda – ele suspirou. – Eu conto essa história depois, mas adianto à senhora de que aquelas pessoas não eram lá muito confiáveis também.

A dona do abrigo assentiu. Em pouco tempo, buscou os quatro gatos que o investigador encarou pela primeira vez naquela madrugada sangrenta. Eles miaram para ele de dentro das caixas de transporte, erguerem o nariz e o farejaram através da portinhola. Ele os chamou, cada um, pelos nomes que possuíam – uma rápida averiguada nos perfis da falecida dona no período de investigação o familiarizou com cada um dos bichanos.

Mortitia, a gata preta com manchas alaranjadas, apesar de desconfiada, era a mais carinhosa. Eugênio, folgado e belo, jamais era contrário a um carinho ou atenção. Já as gêmeas, Florbela e Maria Teresa, de longe pareciam aquelas duas criaturas frágeis de um mês atrás. Estavam fortes, encorpadas, saudáveis e alegres.

José voltou para casa ao som dos miados dos novos integrantes. Clarinha mal esperaria pela surpresa e decerto amaria a nova adição à pequena família de dois.

Naquela noite, sem que soubesse disso (ou que se lembrasse, pois ao contrário dos gatos, os humanos possuem a memória curta), José sonharia com uma noite estrelada.

Dentre as estrelas que ele veria, três pares se destacariam. O primeiro, incandescente, imponente e ancestral, brilharia com gratidão e confiança enquanto apontasse para o sonhador. O segundo, um par fraco, brilharia feliz e satisfeito por ver os irmãos a salvo. Já o último teria um brilho distinto – duas estrelas de cores diferentes, uma azul, outra verde.

Um brilho que nunca esqueceu de seu antigo dono. E que, lá de cima, diria olá para ele.  

 

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