III.
Casa
Dona Ilda perguntou mais uma vez:
– O senhor tem certeza?
José já pusera sua assinatura em pelo menos três
folhas.
– Eu tenho, sim.
– O senhor sabe que leva tempo pra eles se
adaptarem, ainda mais depois desse tipo de situação tão... ai, meu Deus... tão
horrível.
José balançou a cabeça.
– Como eles estão?
– Menos assustados e interagem melhor com os
demais gatinhos. Mas eles não se desgrudam, por isso, apesar de te perguntar
isso, fico feliz que possas levar todos eles.
– É, pois é. Separar os quatro seria injusto.
– Como eu avisei – Ilda, dona do abrigo de
animais, retornou ao assunto enquanto apontava para o termo de compromisso. –,
eles precisam se adaptar. Isso vai levar provavelmente mais um mês, no mínimo.
O senhor tem condições necessárias pra cuidar deles?
– Tenho.
– E a sua casa?
– É um apartamento. Eles permitem animais. Vou
telar as janelas. Minha filha vai adorar.
– Ótimo. Mas... – ela pareceu relutante. – Os 4
gatos são pra sua filha? Ela é criança?
– Não, não são pra ela – José sorriu. E então
suspirou. – Eu tive um gatinho na infância, o Stalone. Ele desapareceu. Na verdade,
faz pouco tempo, descobri o que aconteceu com ele. Acho que tá na hora de
superar isso. E também, desde que eu entrei naquela casa, sabe.... Acho que
eles me ganharam ali.
Dona Ilda
ficou em silêncio, analisando o breve relato do investigador. De repente,
talvez munida pelo mesmo senso inexplicável de santos que batem (ou não) e de
faros investigativos, a dona do abrigo se deu por convencida.
– Ao longo dos meses vou sempre manter contato
com o senhor, pra saber como eles estão. Tem gente que leva, acha que os
bichinhos são só pra catar e bater foto, e não cuidam direito. Mas tem uma
coisa que eu não entendi, seu José.
– O quê?
– Por que o senhor informou pros conhecidos da
moça que alguns não sobreviveram e outros fugiram? Os familiares ou amigos não
podiam ter ficado com eles?
– Dona Ilda – ele suspirou. – Eu conto essa
história depois, mas adianto à senhora de que aquelas pessoas não eram lá muito
confiáveis também.
A dona do abrigo assentiu. Em pouco tempo,
buscou os quatro gatos que o investigador encarou pela primeira vez naquela
madrugada sangrenta. Eles miaram para ele de dentro das caixas de transporte,
erguerem o nariz e o farejaram através da portinhola. Ele os chamou, cada um,
pelos nomes que possuíam – uma rápida averiguada nos perfis da falecida dona no
período de investigação o familiarizou com cada um dos bichanos.
Mortitia, a gata preta com manchas alaranjadas,
apesar de desconfiada, era a mais carinhosa. Eugênio, folgado e belo, jamais
era contrário a um carinho ou atenção. Já as gêmeas, Florbela e Maria Teresa,
de longe pareciam aquelas duas criaturas frágeis de um mês atrás. Estavam
fortes, encorpadas, saudáveis e alegres.
José voltou para casa ao som dos miados dos
novos integrantes. Clarinha mal esperaria pela surpresa e decerto amaria a nova
adição à pequena família de dois.
Naquela noite, sem que soubesse disso (ou que se
lembrasse, pois ao contrário dos gatos, os humanos possuem a memória curta),
José sonharia com uma noite estrelada.
Dentre as estrelas que ele veria, três pares se
destacariam. O primeiro, incandescente, imponente e ancestral, brilharia com
gratidão e confiança enquanto apontasse para o sonhador. O segundo, um par
fraco, brilharia feliz e satisfeito por ver os irmãos a salvo. Já o último
teria um brilho distinto – duas estrelas de cores diferentes, uma azul, outra
verde.
Um brilho que nunca esqueceu de seu antigo dono.
E que, lá de cima, diria olá para
ele.
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