13 de fevereiro de 2011

Podemos fugir



Os olhos estreitos e penetrantemente negros cruzaram a rua de um ponto ao outro. Ele olhou no relógio surrado em seu pulso. A boca se contorceu num espasmo desagradável e incômodo de desaprovação, estava irritado, e certamente não era preciso conhecê-lo a fundo para ter certeza disso. O garoto cruzou os braços e os apertou forte – até demais – contra o próprio peito, chegando a notar a súbita interrupção no fluxo de oxigênio por isso. Afrouxou os braços, moveu a boca novamente naquele espasmo, não gostava de esperar.  
O céu começava a tomar tons rosados, o Sol ao longe - escondido atrás de todos aqueles prédios monótonos e sem vida do subúrbio – anunciava sua partida com um brilho gradativamente mais fraco. O caos naquela rua era notável, carros, buzinas, pessoas voltando para suas casas, pessoas começando seu trabalho – principalmente jovens meninas sem opção de vida -, mais carros, outra vez carros e um pouco mais de buzinas. Apesar de ser inverno, o calor da poluição ardia através das retinas, queimando-lhe o cérebro e ressecando-lhe a alma. O garoto não gostava daquilo. Ele não gostava de nada daquele lugar.
Por isso olhou novamente em seu relógio. Praguejou algo baixo ao notar o quão rápido o tempo se locomovera desde a última vez que espiou a hora. Estava começando a ser tomado pelo estresse. Olhou em volta mais uma vez: esperou, praguejou, contorceu a boca e bateu os calcanhares no chão; relembrou as últimas semanas, os perfumes que inspirou e a pele que acariciou. Fechou os olhos. Esperou. Imaginou: os cabelos, as curvas e o suor misturando-se ao seu. O cheiro. A carne. A pele macia e os pelos do corpo. O suor novamente. A carne, agora mais quente e vívida. O cheiro do prazer, e depois não somente o cheiro, o líquido. Os suspiros, gemidos, gritos. O prazer. Os batimentos em ambos os peitos, a intensidade, o ápice de todas as promessas. O amor. A concretização. Um e um. Dois, se tornando apenas um.  
O garoto sorriu. Subitamente toda aquela inquietação tinha partido, se dissipado com todas as lembranças boas. Acabara de fazer – em pouquíssimos segundos – o que os monges faziam em horas e os padres em dias. Meditava. Alcançou o ponto máximo de sua tranqüilidade e agora sentia – literal e figurativamente – sua alma lavada. Como a de um menino inocente. Não. Mais que isso: como a de um menino inocente que ama, e apenas ama sem medos e receios. O garoto sorria mais abertamente, mostrando ao mundo sua alegria, seus dentes brilhantes de felicidade, seu âmago explícito e a realização – quase – plena.
Ele abriu os olhos. Então se deparou com a imagem que fez seu coração palpitar por uma aparente última vez, e disparar ao extremo em seguida. Do gelo ao fogo, da serenidade ao fervor. As mãos se desfizeram, caíram ao lado do corpo e não mais encontram qualquer ação seguinte. A boca se moveu no mesmo espasmo, mas um espasmo de sorriso e deleite. O garoto sentia-se vivo. Contemplava um rosto a sua frente, a poucos centímetros do seu.
A menina diante dele se moveu na ponta dos pés para alcançá-lo, esticou-se o máximo que conseguia e beijou-o nos lábios. O beijo soou estalado e alto, mas inocentemente doce em meio à tão barulhenta rua do subúrbio.
- Vamos. – Foi tudo o que ela disse, segurando as alças da mochila que se prendia em suas costas.
O garoto assentiu, fazendo o mesmo com a mochila que também carregava. Ele segurou a mão da menina e ambos seguiram rua abaixo, num caminho que nem mesmo eles sabiam aonde daria.
Eles não ligavam. Pouco importava.    

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