26 de fevereiro de 2012

Se ela vestisse preto


Se ela vestisse preto, as ventanias não existiriam. As tempestades, ao invés de explodirem em nossos copos d’água, exigiriam o calor dos lençóis, o acolhimento da cama. As trovoadas seriam gritos, o frio seria o gemido da voz dela e a chuva o suor do corpo meu.  Nossos suspiros seriam xícaras, repletas pelo calor do café quente da tarde. Seus lábios teriam o sabor do chocolate, os cabelos seriam a suavidade das gotas do orvalho. Seu lamuriar mimado cantaria em meus ouvidos, sob o Sol brilhante do domingo. Dirigiríamos pela manhã, pararíamos na lanchonete à beira da estrada. Contemplaríamos as montanhas e os vales florescidos. Nos beijaríamos, se ela vestisse preto. Iríamos acolher animais abandonados, batizando-os com o nome de nossos ídolos. Suas mãos me fariam carinho no mesmo toque da brisa costeira. Fotos polaróides seriam tiradas, todas por mim, de seu sorriso singelo e sedutor. Eu tiraria fotos a cada instante, até ela se irritar e tornar-se monossilábica. Tiraria fotos de suas roupas, sua sandália florida e folgada. As pernas alvas, os braços delicados. Das unhas pintadas à leve maquiagem em volta dos olhos castanhos. Se ela vestisse preto. Visitaríamos seus pais, sua família, seus melhores amigos. Entraríamos no supermercado, brincando de corrida com os carrinhos cheios de compras. Uísque, cerveja, cigarros e uma caixa de bombons. Chamaríamos a atenção feito crianças, levaríamos bronca das pessoas e do gerente, talvez até pudéssemos ser advertidos por algum homem da lei. Como amantes demolidores. Correríamos pelo estacionamento. Discordaríamos. Se ela vestisse preto. Brigaríamos pela próxima música ou pela estação da rádio. Nos revoltaríamos por besteiras. Ficaríamos estranhos e ela, mais uma vez, naquele desprezível, cruel, maldito e perfeito estado monossilábico. Eu a beijaria. Fazendo a reconciliação, dirigiríamos montanha acima e sobre o topo da cidade, faríamos amor no carro num espaço público e vazio. Numa clara manhã de domingo. Correríamos para a praia, pulando na água sem tirar nossas roupas e então ali, sob os últimos minutos de presença do Sol, renovaríamos nossos votos de eternos amantes e namorados. Veríamos a passageira despedida da estrela brilhante, dando lugar a um céu laranjado à espera da noite. Eu a beijaria e acariciaria seus cabelos compridos, deitando sobre seu ombro à procura de sua proteção. Abraçando forte, eu estaria a salvo. Totalmente seguro, se ela vestisse preto. 

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