22 de março de 2014

Ano um



Esperei tempo suficiente para isso, e no fim, o que consigo absorver de tudo? Força. Superação. Sua história foi sempre sobre os finais, todos eles, dos pouco felizes aos mais trágicos, aos mais sarcásticos, irônicos e – pasmem vocês – raríssimos depressivos. Quando você chegou até a última linha em seu último suspiro, a história se completou com uma lição que o mundo jamais entenderá. Porque você não almejou a morte como destino final, na verdade você lutou contra ela, mostrou-me que, por mais que ela fosse inevitável, isso pouco significaria diante de uma risada forte e canalha. Você me ensinou, em meio às lágrimas, que chorar é profundamente necessário, porém não o ponto principal da jornada. Ensinou-me que eu preciso abraçar a dor, sentí-la, entendê-la e seguir em frente; ensinou-me que por vezes as merdas serão grandiosas e onipotentes, mas jamais fortes a ponto de me vencerem. Você me ensinou, em cada frase que o mundo interpretou erroneamente, que no fundo eu sou mais forte que qualquer um deles, justamente porque tenho a decência de não esconder minha dor, sofrê-la o quanto devo e seguir em frente, lá na frente, sempre em frente, à frente.
No final dessa magnífica jornada, traçada por poucos daqueles que se dispuseram a caminhá-la, entendi que a morte nunca será de fato um fim, e sim um lembrete de nossa breve, porém indescritível imensidão enquanto vivos. A morte é e sempre será um memorando, uma memória quase física do que viemos fazer e o quanto devemos deixar nossa presença em pequenos gestos, pequenas letras, atitudes, livros ou músicas.  Ensinou-me também que, enquanto alguns riem de mim – o que provavelmente estarão fazendo neste exato momento –, devo continuar pacífico e compreensível à incompreensão alheia; ensinou-me que o mundo é um lugar sujo, fétido e abandonado, recheado de almas boas tentando fazer o máximo para mudá-lo, talvez minimamente, talvez quase nada, porém alguma coisa. E aí, consequentemente, aprendi que talvez o mundo nunca mudará, não enquanto eu ou meus netos estivermos respirando, talvez a mudança nunca ocorra, talvez nunca aconteça, mas, caralho, e daí? Entre as inúmeras lições que eu aprendi com você, lembro todos os dias que um dia eu também terminarei em morte, ossos e pó, não farei a mínima diferença num futuro a curto ou longo prazo, mas isso não deverá me desanimar, pois é exatamente essa a real lição de viver: fazer valer a pena, saber sofrer, morrer todo santo dia e se reerguer juntamente com o Sol nascente. Merdas virão, sempre e sempre, de novo e de novo, merdas sempre nos farão companhia, principalmente a derrotados como nós, sobretudo a lindos perdedores como cada um de nós, mas, novamente, e daí?
Porque foi o que eu aprendi com você, e não somente neste um ano de ausência e luto, como também em todos os anos em que esteve ao meu lado. Estando você verdadeiramente morto ou não, sendo sua morte uma grande farsa regada a dramas, lágrimas e gargalhadas, fica-me claro o sentido de tudo isso, as coisas que aprendi, o quão forte meu “coração à prova de balas” precisou ser ou precisa vir sendo. Essa morte, genuína ou não, vem para lembrar sua verdadeira ação em vida: não me deixou cair, por mais que a você fosse atribuídos caráteres pessimistas, depressivos, decadentes ou autodestrutivos. Bem, eles não te conheceram, porque eles não foram ao fundo da privada comigo, estavam ali mais para rir do que me puxar de volta. Os malditos desgraçados com rabos alargados só souberam agregar a você – friso: “erroneamente” coisas das quais sempre me ensinou a combater. Eles não te entenderam, e como bons críticos “alá baseados em porra nenhuma”, continuarão falando, falando e falando. Mas eles não viram o que eu vi, jamais enxergaram o que eu realmente enxerguei, pois você me tirou da merda do poço em cada santo dia que eu jurei dar um fim ao meu melodrama patético, você me manteve, me fez olhar no espelho e aceitar: “esta merda que eu sou, é quem eu sou, e é uma bela merda, uma merda linda de se ver”.
E eis aqui o seu fim: com críticas, viadices, ironias bem montadas, mais críticas e um pouco mais de viadices. Fantasiando, forjando, falsificando ou não esta morte, você me ensinou, acima de tudo, que o que importa não será jamais o destino, e sim a jornada. Eu entendo sua partida, eu a compreendo e não a amaldiçoo. Porque ela é a prova final de tudo que a mim e a muitos outros foi ensinado. É como o bom final de uma história bem montada: já era previsto, nos foi revelado desde o momento em que você nasceu, e por isso sua missão foi cumprida. Missão cumprida, tarefa ensinada. Quando é chegada a sua hora, dores não deverão ser clamadas muito menos revoltas ou desistências, pois o significado de toda essa negra e ensanguentada jornada não estava focado na sua morte, e sim na sua vida. Por isso ela nunca irá me parar. Nem a mim, nem a qualquer um de nós.

Tenha certeza disso.

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