Quando a garota começou a abrir a
boca, os ouvidos dele se fecharam. A cabeça balançava estampando um sorriso
falso, extremamente aberto, entendedor, mas no fundo tedioso. Ele odiava aquele
tipo específico de mulher – aquelas que tentavam impressioná-lo. A menina falou
sobre enredos bem bolados, sobre como desenvolvera algumas personagens, sobre
como fizera todo o processo de pesquisa e desenvolvimento de época, cenário e
relações. E, ah, ela falava bonito. Ele odiava isso, odiava gente que o achava
um gênio e por isso se forçava a falar da forma mais culta e erudita. No fundo,
o que ele gostava era de verbos não conjugados corretamente ao usar-se o “tu”,
de forma proposital e preguiçosa, afinal, era o que ele fazia. Ele amava as gírias,
ele amava a espontaneidade, ele amava o “caralho”, “puta que o pariu”, “que
merda”, saídos descontraidamente da boca de uma mulher. Por isso estava
desligado para aquela garota, por isso odiava quando elas vinham até ele
tentando parecer interessantes, sem se darem conta que era o que as tornava
profundamente desinteressantes. Na realidade,
ele amava somente três tipos de mulheres: as normais, que poderiam ou não venerá-lo,
mas não caíam aos seus pés como baba-ovos bajuladoras; as que tinham o mesmo ofício
que ele, porém mantinham conversas sobre desenvolvimento de tramas e
personagens por puro gosto, não para impressionar, não para dizer “ei, eu quero que você veja que eu também
gosto do ato da escrita, portanto tenha interesse em mim, me note”; e,
claro, a garota que guardara para si, a garota pela qual ele andara tantas
milhas, a garota pela qual tornara-se um homem, embora solitário e devasso, porém
ainda assim um homem. Ele gostava Dela.
E o por quê? Ela odiava o que fazia, ela não era a melhor no ofício,
julgava-se um lixo, uma fraude, mas pouco sabia o quanto ele a amava por isso;
ele a amava pelas linhas bem montadas sem intenção, amava o modo como ela
parecia sempre perdida em seu mundo distorcido entre cores fluorescentes, o
amor pelos animais, pela natureza e o uso exacerbado de drogas relaxantes e
alucinógenas. Ele amava o olhar Dela
diante do mundo e o modo como conseguia passar tudo para as linhas de parágrafos
que ele nunca fora capaz de reproduzir, somente de admirar e concluir: “ela é única”.
Ela é única.
E de repente, sempre recordava seus
olhos puxados que insistia dizer lembrarem os de uma asiática, embora ela negasse veementemente a afirmação. Ele
amava o modo como ela escrevia sem se
dar valor, sem notar o profundo e magnífico dom que possuía. O "teu dom?”, foi o que em uma época
distante ele a dedicara, o que em uma época distante fora sua verdadeira
percepção sobre o quão era inferior à ela,
mesmo tendo um número mais alto de admiradores, seguidores e bajuladores. Ela era o que ele adorava chamar de “talento
escondido”, um talento que o mundo jamais descobriria, porque existiam fraudes
lindas demais para ofuscar verdades como ela.
Pois, ora, assim como ela julgava-se
um lixo, ele também julgava-se uma fraude linda, um falso talento que o público
amava e que ofuscava o brilho de joias verdadeiramente raras como ela. Como
ela, suas linhas, sua realidade entorpecida, inigualavelmente perfeita e linda.
Ela sim tinha um dom, ela sim
tinha a admiração dele, não a garota que agora o enchia com ladainhas bajuladoras
para tentar impressionar. Não, ele não gostava daquilo, ele não gostava de
farsas, ele gostava de pessoas como ela.
Ela, ela e mais ninguém.
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