30 de junho de 2019

Quentes como a cidade





Não passa de quinta à tarde
em nossa quente cidade
ela diz que sou como as paredes de meu quarto
não aquelas que portam os quadros
do velho Robert “bardo” Zimmerman,
mas aquelas que lajotam nossas costas no banheiro.

A cidade quente esquenta tudo:
Tubulações, canos, bafos
e também a água que sai
quente do chuveiro
parece a água quente que sai
de ti e encharca-me úteros.

A cidade quente esquenta tudo:
porcos santos e tesoureiros-pregadores
e também a água que sai
quente do chuveiro
parece a água quente que sai
de mim e encharca-te duros dedos, lívida língua e férvida face.

Ela diz na quinta à tarde que a cidade é quente como
nossos preguentos corpos no meio das três
de sol ou de sereno.
Nossos corpos são
como a cidade
no trânsito da tarde
de vendedores entre carros
no calor da animosidade
vendendo água mineral e refrigerante
batendo nas laterais dos transportes públicos
queimando no calor da cidade para repor o vazio
dos pratos e das crianças.

Nossos corpos são como a cidade
Quente
Em seus fluidos em suas misturas em seus
Gritos em suas fúrias.

Ela diz em uma quinta à tarde,
nua como a sacra vela episcopal
no fundo do santuário de Fátima,
que nossos corpos são 
tão suados e quentes
quentes como a cidade.


(Felipe Santiago)

Nenhum comentário:

Postar um comentário