23 de agosto de 2011

Vida



Acordou, espreguiçou, cheirou os lençóis e se percebeu no sofá. Sorriu. Agarrou o caderno, destampou a caneta, pintou, desenhou. Escreveu. Folheou as obras, leu os poemas, revisou o texto, admirou os rabiscos, amaçou o rascunho. Pôs o cabelo para trás da orelha. Brincou com os discos, bagunçou a coleção, abandonou a ordem alfabética, asparramou no chão, colocou o vinil preferido. Pôs os fones, fechou os olhos e esperou. Ouviu. Cantou. Contraiu os dedos dos pés, acariciou a própria pele. Correu à cozinha, sentou na mesa, sentiu a fome rotineira, esquentou o café. Bebeu. Atravessou a casa, foi ao banheiro, tomou banho, deixou a água escorrer o corpo, pensou na vida, pensou na morte, pensou na alma, na eternidade. Voltou ao quarto, enrolada na toalha, optou pela melhor roupa. Abriu o guarda-roupas. Camiseta branca, jaqueta e saia jeans, bota alongada e escura. Saiu de casa. Ligou o carro, saiu rua abaixo, sob o Sol da manhã. Dirigiu pela costa por horas a fio. Tocou o vento, beijo a luz, bagunçou os cabelos, ziguezagueou no volante. Sorriu, cantou, fechou os olhos. Gritou. Parou na praia, tocou a areia, deitou no capô, contemplou o céu. Contou as nuvens, pintou os pássaros, contou o azul, pintou seus passos. Novamente dirigiu, passou pela costa, admirou as crianças, conversou com os gatos, acariciou os cachorros. Comeu, bebeu. Lembrou. Voltou pra casa, viu o Sol descer, esperou a tarde cair. Entrou em casa. Pisou no silêncio, afagou as lembranças. Correu ao banheiro, entrou na banheiro. Ligou a torneira. Deitou, fechou os olhos. Se molhou. Chorou. Bebeu o whisky, sofreu, relembrou outra vez, agarrou a carta, leu as palavras. Sofreu, lagrimou. Gritou. Fones de ouvido, carta rasgada, peito seco, dores inchadas. Observou a noite, mordeu a boca, desejou, acalmou-se, aquietou-se. Adormeceu, dormiu. Sonhou. Caminhou pela colheita, tocou as frutas, colheu esperanças. Camiseta branca, jaqueta e saia jeans, bota alongada e escura, cabelo preso. Esvoaçante. Olhou a manhã estrelada, olhou a noite ensolarada. Chutou a felicidade, agarrou as brincadeiras. Sentou-se ao campo, agarrou uma plantinha, beijou-a, amou-a. Deitou-se nas relvas, rolou, sorriu, cantou, relembrou, sorriu novamente, fechou os olhos. Brilhou.

Um comentário:

  1. Oi eu estou apaixonada por esse texto e tchau. Brimks.
    Sério, a parte sobre eu ter gostado como se não houvesse amanhã. Não dá pra desgrudar os olhos do texto até que ele acabe e ainda fica uma vontade de continuidade. Why so good, doce?

    ResponderExcluir