10 de setembro de 2013

A menina era de Deus



Pairava ali algo inegável, uma oportunidade boa e saudável do envolvimento iminente. Ela tinha um olhar intenso, vivo de simplicidade e beleza, tão profundo e superficialmente enigmático. Era uma piscina dúbia de atração e tranquilidade, ah, aqueles olhos. Mas a menina era de Deus. Emanava Deus na maioria das palavras, embora mostrasse o mesmo respeito que um homem profundamente sábio entre as farpas de dois extremistas. Sim. Ela exalava Deus e respeito, mas, ainda assim, o pertencia de corpo e alma – e mente, diga-se de passagem. Eis o entrave secular para este tão mísero bobo que a admirava: no menino havia a contestação dos cientistas e o humor dos kamikazes. Perca o amigo, mas jamais perca a piada. Deus era piada, Jesus era piada, religião era piada. Ele emanava piadas do mesmo modo que ela, respeitosamente, emanava o ser divino venerado pelos mais bob... Pelos mais devotos, quero dizer. Entrave histórico, entrave filosófico... Entrave de caráter. Ele não jogaria fora a própria descrença para se dobrar diante de alguém tão santo com excesso de crença. Orgulho? Talvez. Residia mais no respeito por ela. No fim, talvez não quisesse se envolver para não magoá-la com suas piadinhas infames e banhadas de blasfêmia. É, talvez nem fosse pelo orgulho e temor de se corromper à fé, mas sim ao sacrifício de não magoá-la, ao sacrifício de não ofender o que ela acreditava. Essa era sua forma de respeito, essa era sua forma – quem sabe deturpada – de caráter. Como um homem santo que joga fora sua própria vida em nome daqueles que tanto o julgariam, ele até aprendia lentamente com isso a venerar o rei dos Judeus, que em seus dias vindouros pôs o próprio cu na reta pelos pecadores que o depreciavam. Sacrificava a própria – provável – felicidade para não machuca-la com trocadilhos secos e inteligentes.
Tão lindo, tão belo, tão divino - pena que a menina era de Deus.


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