Não me foi concedido um manual com
este tipo de sobrevivência. As páginas dele, afirmo, me são ainda totalmente
estranhas. Não sou apto a amolar esta lâmina para caçar, não sei manobrar o bambu,
não aprendi a construir um abrigo; me falta alimento, minha barriga dói tanto
quanto meu peito, talvez seja a mesma dor se apoderando de outras áreas. Tenho fome. A fogueira é a pior parte: não
há em mim o combustível necessário, não faço a mínima ideia de como mover esta
palha ou girar a madeira, atritar, esquentar - eu não sei. É um manual inexistente que me foi dado, e me enrolo
nas roupas antigas, procuro abrigo durante à noite, sinto o frio da solidão, a
iminência do afastamento. Eu tenho medo, eu choro e não ligo para o que os
deuses antigos que me observam pensarão sobre. Sou apenas um menino perdido e
inconsolado dentro de mim mesmo, que não sabe sobreviver a este antigo desastre.
O que me resta são fotos e sons que retumbam na mente, memórias de uma voz e de
uma época antiga. O que me resta é isso, durante uma noite escura e profunda
sem estrelas lá em cima, com um milhão de demônios e lobos a me espreitar como
próxima refeição. Estou cedendo, pouco a pouco, confesso. Deixarei que eles me
consumam, me devorem, estuprem minha dignidade da alma, caráter e orgulho são
agora coisas enfadonhas, sem sentido, sem valor, tão perdidas quanto eu por
inteiro. Não me foi concedido um manual de sobrevivência. Não sei o que faço, não
sei o que ando fazendo – há muito, muito tempo.
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