23 de setembro de 2013

Manual



Não me foi concedido um manual com este tipo de sobrevivência. As páginas dele, afirmo, me são ainda totalmente estranhas. Não sou apto a amolar esta lâmina para caçar, não sei manobrar o bambu, não aprendi a construir um abrigo; me falta alimento, minha barriga dói tanto quanto meu peito, talvez seja a mesma dor se apoderando de outras áreas. Tenho fome. A fogueira é a pior parte: não há em mim o combustível necessário, não faço a mínima ideia de como mover esta palha ou girar a madeira, atritar, esquentar - eu não sei. É um manual inexistente que me foi dado, e me enrolo nas roupas antigas, procuro abrigo durante à noite, sinto o frio da solidão, a iminência do afastamento. Eu tenho medo, eu choro e não ligo para o que os deuses antigos que me observam pensarão sobre. Sou apenas um menino perdido e inconsolado dentro de mim mesmo, que não sabe sobreviver a este antigo desastre. O que me resta são fotos e sons que retumbam na mente, memórias de uma voz e de uma época antiga. O que me resta é isso, durante uma noite escura e profunda sem estrelas lá em cima, com um milhão de demônios e lobos a me espreitar como próxima refeição. Estou cedendo, pouco a pouco, confesso. Deixarei que eles me consumam, me devorem, estuprem minha dignidade da alma, caráter e orgulho são agora coisas enfadonhas, sem sentido, sem valor, tão perdidas quanto eu por inteiro. Não me foi concedido um manual de sobrevivência. Não sei o que faço, não sei o que ando fazendo – há muito, muito tempo.

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