22 de março de 2013

Nove horas




Nove horas. Vejo as nuvens daqui, riscando meus olhos como algodões translúcidos, desprovidos de peso ou sentimentos. Vejo um risco lá fora, uma fina tintura negra serpenteando árvores, casas, campos cuidados e áreas devastadas. Daqui eu contemplo um azul brilhante, azul celeste, tão calmo quanto o coração de uma criança. Nove horas. Antes eu contava as horas, previa os minutos e planejava cada mísero segundo, lutando uma batalha épica contra o relógio, mas agora o tempo não passa, ele se arrasta no ritmo de um gordo aleijado e preguiçoso. “Mas vou lhe dizer o que penso, Clivey. Acho que Deus deve ser um velho filho da mãe malvado para fazer com que os únicos tempos compridos que um adulto tem sejam os tempos quando ele está sofrendo muito, como com as costelas quebradas ou as tripas entupidas ou alguma coisa assim. Um Deus assim, ora, Ele faz com que um garoto que espeta agulhas em moscas pareça com aquele santo que era tão bom que os passarinhos vinham ficar em volta dele. Fico pensando em como foram compridas aquelas semanas depois que a carroça de feno capotou comigo feito uma tartaruga e me pergunto por que Deus quis fazer criaturas vivas e pensantes, para começar. Se ele precisava de alguma coisa para mijar em cima, por que não pôde simplesmente criar para Si umas moitas de urtiga e parava por aí?”. Bela perspectiva, sucinta, coerente, arrasadora. Mas não há razões para buscar explicações, já que daqui do alto tudo parece um borrão difuso e inanimado. As nuvens riscam o céu, são destruídas pela asa do magnífico transportador aéreo e se perdem para sempre em suas antigas formas. Poderia ser um caçador com um arco e flecha; um urso; um gato brincando com uma bola ou simplesmente um coração aos apaixonados. E lá para casa eu retorno, temendo que agora eles saibam quem realmente sou: que não sou aquele homem que pensam que sou – ou fui. Sim, eis meu retorno nada triunfal do espaço sideral, meu retorno das nuvens da imaginação, das quais um dia eu idealizei e agora – como se também cortadas pela asa afiada – se dissipam numa realidade assustadora e solitária. Ela arrumou minha mala, dobrou minhas roupas e sentiu o meu perfume pela última vez, antes de dizer que agora as palpitações em seu peito já não mais me pertenciam. Eu sinto falta dela, sinto falta de um chão sólido que nunca existiu, sinto falta de quando, em meus planos, ela foi minha esposa e amante, mãe dos meus filhos. Sinto falta dessa Terra idealizada e planejada, sinto falta de quando esse voo não era nem uma cogitação, é solitário aqui nesse voo eterno. Quando este avião pousar, ah, eu sei, o chão lá embaixo será diferente e a Terra será outra, mais escura e mais apagada daquela que eu enxergava. Serei outro homem, uma espécie de pensamento vago e perdido, oscilando pelo mundo numa tristeza quase incrédula – quase. Enquanto estou voando, o tempo para, fica estático, imóvel e inerte. Olho para o relógio. São nove horas, e as coisas não mudaram. Elas vão apenas se perpetuar. 

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