9 de outubro de 2013

Respiração



Eu quis senti-la, para aplacar uma ilusória fantasia de que é outra pessoa em minha frente. Daí a ilusão, daí a fantasia. Não é ela, Felipe, nem por dentro, nem por fora, mas parece tanto... Maldita praga. É desprendimento que procuro e o mundo não permite. Aqui sento eu, na vão tentativa de sentir seu perfume. Que idiota. Ela está á frente, a um palmo de distância e nada digo, pois o que almejo é apenas um cheiro, o pairar do aroma em sua pele, dos cabelos negros escorrendo, lisos, pelas costas, fazendo de conta em sua aparência análoga que é outra pessoa, aquela que não me larga – aquela que não posso deixar. Mas eu disse: a tentativa é vã e não consigo seu perfume sentir. Maldição? Azar? Nunca. A apreciação, porém, não tem fim, já que ela ainda está aqui, a um palmo de mim, a um palmo de dizer “oi”, tão perto, tão almejável, tão provável e fácil. Fico aqui, permaneço. Em sua quietude distraída durante a aula – conversando volta e meia com um breve comentário, uma risada singela com o tom de voz agudo, um passeio dos dedos sobre a tela do celular ou um movimento de mão entre os cabelos – seu tórax sobe e desce, tão calmo quanto o arfar de uma lustrosa e imponente Nyctea scandiaca. Sua respiração me aplaca então, afagando a frustração primária do perfume, mergulhando-me na brutal e sádica contemplação silenciosa, carente de oratória e coragem. Mulher análoga, garota parecida, queria eu ser capaz de sentir teu respirar escapando pelas narinas, quente, intenso, tranquilo, aquecendo em mim qualquer parte (uma fibra de pele já me basta), fingindo que sou teu, fingindo que és minha... Fingindo que és ela, em meio ao padrão dos olhos, a cor da pele ou a textura dos negros cabelos. Maldita fixação de lembrete, maldita lembrança, maldita comparação e covardia!
Queria eu sentir teu cheiro.
Queria eu sentir, pelo menos, tua respiração.


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