2 de janeiro de 2014

Chuva de verão



Observei-a cruzar o hall de entrada, absorta do mundo à sua volta. Ela tinha uma espécie de tranquilidade na alma que eu nunca entenderia, e que nunca fizera questão de entender, porque algumas coisas você apenas admira e se apaixona, não tenta entender. Ela parou, fez o seu pedido e olhou para trás, quase na minha direção. Ajeitei os ombros e prendi o ar nos pulmões. Senti as mãos geladas. Obriguei-me a não rir do quão idiota andava sendo naqueles tipos de instantes. Então ela voltou a olhar para o atendente e deixei escapar o ar. Suspirei. Meus punhos se cerravam numa boba apreensão, ela continuou com aquela calmaria inerente à própria pessoa. Sorri, meio abobalhado. Enquanto pagava o que quer que houvesse pedido, a chuva continuava a cair lá fora, contrastando com o céu limpo de sol forte de poucas horas atrás. Eis um detalhe que você nunca vai entender também sobre esta cidade: ela é tão imprevisível quanto o coração de uma mulher, por isso é tão linda e amável, em meio a tantos poréns, você apenas desiste de entender e se entrega ao momento do instante, ao instante do momento, esquece que nem tudo é para ser compreendido, e sim amado – mesmo que seja da forma mais simplória ou extrema, sejam essas coisas mínimos detalhes. A chuva continuou caindo, singela e inocente lá fora, sem agressões, sem ventos fortes, sem fúria ou revoltas, apenas uma chuva normal, uma chuva de verão que volta e meia acolhe-nos as costas, os tetos e os olhos. Enquanto isso, à garota, foi dada uma bandeja e ela esperou pelo tempo que foi necessário, sem contrair os lábios em impaciência, pois em seu rosto era tudo paz. Aí seu pedido foi entregue e ela agradeceu com um fervoroso sorriso, girou sobre as sapatilhas e veio em minha direção. Saboreei minha bebida e contei os segundos. Mil e um, mil e dois, mil e três. Passou por mim e expressou um sorriso educado, do tipo que sempre me oferecia quando nos encontrávamos. Retribui da mesma forma e perdi-a com a visão periférica. Sentou-se no fundo do restaurante, puxando conversa com o rapaz que a acompanhava. O sorriso e o olhar que dava a ele eram verdadeiros, fiéis e dedicados, ambos com estonteantes e amadurecidos brilhos. “Será que ela ainda lembra? Será que também era assim comigo?” Foi meu último pensamento antes de me perder em outras coisas ao olhar lá fora, para a chuva. Pela primeira vez, sem rodeios ou dramatizações, eu estava em paz. E pude finalmente observar a chuva cair.  

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