Observei-a cruzar o hall de entrada,
absorta do mundo à sua volta. Ela tinha uma espécie de tranquilidade na alma
que eu nunca entenderia, e que nunca fizera questão de entender, porque algumas
coisas você apenas admira e se apaixona, não
tenta entender. Ela parou, fez o seu pedido e olhou para trás, quase na
minha direção. Ajeitei os ombros e prendi o ar nos pulmões. Senti as mãos
geladas. Obriguei-me a não rir do quão idiota andava sendo naqueles tipos de
instantes. Então ela voltou a olhar para o atendente e deixei escapar o ar. Suspirei. Meus punhos se cerravam
numa boba apreensão, ela continuou com aquela calmaria inerente à própria
pessoa. Sorri, meio abobalhado. Enquanto pagava o que quer que houvesse pedido,
a chuva continuava a cair lá fora, contrastando com o céu limpo de sol forte de
poucas horas atrás. Eis um detalhe que você nunca vai entender também sobre
esta cidade: ela é tão imprevisível quanto o coração de uma mulher, por isso é
tão linda e amável, em meio a tantos poréns, você apenas desiste de entender e
se entrega ao momento do instante, ao
instante do momento, esquece que nem tudo é para ser compreendido, e sim
amado – mesmo que seja da forma mais simplória ou extrema, sejam essas coisas mínimos
detalhes. A chuva continuou caindo, singela e inocente lá fora, sem agressões,
sem ventos fortes, sem fúria ou revoltas, apenas uma chuva normal, uma chuva de
verão que volta e meia acolhe-nos as costas, os tetos e os olhos. Enquanto
isso, à garota, foi dada uma bandeja e ela esperou pelo tempo que foi necessário,
sem contrair os lábios em impaciência, pois em seu rosto era tudo paz. Aí seu
pedido foi entregue e ela agradeceu com um fervoroso sorriso, girou sobre as
sapatilhas e veio em minha direção. Saboreei minha bebida e contei os segundos.
Mil e um, mil e dois, mil e três. Passou
por mim e expressou um sorriso educado, do tipo que sempre me oferecia quando
nos encontrávamos. Retribui da mesma forma e perdi-a com a visão periférica. Sentou-se
no fundo do restaurante, puxando conversa com o rapaz que a acompanhava. O sorriso
e o olhar que dava a ele eram verdadeiros, fiéis e dedicados, ambos com
estonteantes e amadurecidos brilhos. “Será
que ela ainda lembra? Será que também era assim comigo?” Foi meu último
pensamento antes de me perder em outras coisas ao olhar lá fora, para a chuva.
Pela primeira vez, sem rodeios ou dramatizações, eu estava em paz. E pude
finalmente observar a chuva cair.
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