3 de janeiro de 2013

Dedos esqueléticos




Eu te vi sentada ali, reclinada como um ratinho de laboratório, injetado por um punhado de cocaína diluída-experimental. Seus dedos alongados se mexiam num frenesi doentio, riscando traçados irregulares, formando conjunções anêmicas e psicóticas. Seus olhos estavam vidrados, e não vermelhos, como da última vez. As têmporas transpiravam e, eu juro por Deus, sua pele exalava um fedor que eu jamais imaginaria sentir. A respiração acelerada galgava como uma manada de cem touros demoníacos, as costelas subiam e desciam enquanto teu peito arquejava. A propósito, eu te vi nua, trajando apenas uma calcinha colorida. E havia, além da tua carne, o aroma do álcool escapando a boca entre os suspiros alucinantes. E os dedos se mexiam, continuavam, tecendo pensamentos e especulações. Os cabelos úmidos te despencavam as costas nuas, encharcados nas pontas e deitados na coluna como tentáculos oleosos e astutos, esperando por uma vítima a tragar e deglutir, logo a seguir. Ainda estavas ali, e ao teu lado eu me pus, sentando no chão, de costas para a mesa, com a cabeça baixa e os ouvidos atentos. Eu fechei meus olhos, imaginando que, de fato, não havia muito a se fazer. Eu falhei desde o início, mas não dei o braço a torcer, aliás, eu estava ali depois de tanto tempo, não é? Eu tentei, eu estanquei, eu fiquei, eu persisti e depois de muito a determinação esmurrar, não parei. Ainda assim, falhei. Você me olhou com aqueles enormes olhos verdes, só então parando com os excitados movimentos dos dedos. Moveu a mão entre meus cabelos e me acariciou, tão longamente que me senti com dois anos de idade, sendo acalentado antes do sono por mãos maternas. Balancei a cabeça e sorri, elevando o rosto para te olhar. Aí você me sorriu de volta, balbuciou algo entre os lábios ressecados – por Deus, suas bochechas eram agora dois imensos buracos, fundos e sem vida. “A que estado eu te deixei chegar?”, ficava me questionando. Retirou as mãos magras e voltou a mover os dedos, freneticamente. Das tuas narinas, ainda podia contemplar um rastro branco, resquícios da última aspirada que dera. Ainda havia pó sobre a mesa, e daquele hábito mortífero, fazia da sua profissão uma desculpa para o vício. Continuava linda, no entanto. Vidrada no projeto novo: o quarto, último e tão aclamado volume dos best-sellers. Uma legião de adoradores esperava por aquilo, fãs abarrotados de clamor e angústia. Aposto que você estava no último capítulo, dali em diante, nem mesmo eu saberia dizer quais páginas viriam. Apertei os olhos, lagrimando tão secretamente que você sequer notou, tamanha era a concentração no ofício. Mas eu continuaria ali, tentando te puxar de volta do alucinante motivador do teu talento - ou ao menos tentando fazê-lo.  Ouvi os batuques nos teclados, as mãos se movimentando como uma masturbação sobre os lençóis, totalmente alheia à minha presença, como se nem mais lembrasse que eu estava ao lado, numa presença totalmente inútil em forma de ajuda.
E seus dedos se mexiam, outra vez.

Um comentário: