5 de novembro de 2012

Prólogo



Red From Christmas, Prólogo.

Quando Evan caiu, tudo o que ouviu foi um grito. Um grito longe e perdido, desesperado. Feminino. Não soube por quanto tempo esteve apagado. Nessas situações, o tempo tem um jeito estranho de correr. Era como tentar dormir ouvindo música com os fones de ouvido. Você de repente sente o começo de uma canção e, logo em seguida, já se depara com o término dela, como se jamais tivesse existido um meio. Ficava sempre uma lacuna, e você se pergunta: “eu adormeci tanto assim? O que me pareceu ser uma noite inteira de sono, foi apenas alguns trechos de música perdidos e cochilados?”. Era estranho, e para Evan a comparação era a mesma.
Ser arremessado por um punhado de areia do mau e cair no chão. Ele sequer tivera a sorte de ser aparado por uma pequena montanha de neve, acumulada na entrada da garagem ou... Ou seja lá onde ele tinha caído. Tudo o que sentia era absolutamente nada. Não tinha dor, não tinha sofrimento. Sem lágrimas, nem cheiro de sangue. Tentou se mexer, e deu graças a Deus quando percebeu que ainda detinha o poder sobre o corpo. Talvez eu ainda não esteja tetraplégico. Mas a visão ainda estava turva, além da sonolência. Ele fechou os olhos, abriu e voltou a fechar. Esperou a visão se ajustar, percebendo que ainda estava na frente de casa, mas bem afastado... Muito mais distante. Girou o rosto, buscando um conforto. Os lábios encostaram em algo ainda mais frio: o asfalto. Talvez estivesse no meio da rua, ou quem sabe na calçada. Fechou os olhos. Reabriu. Enxergou Stacy nos braços de Chris. Ela se debatia, esperneava com veemência. Fechou os olhos. Quando abriu, ela já estava ao seu lado, não, não. Ela estava sobre ele, de joelhos no chão, acariciando-o o rosto. Seja lá como ela tinha chegado ali, Evan tinha certeza que um segundo atrás estava sendo segurada por Chris. É... Aquilo era como dormir com fones de ouvido. Você não sente a música passar, sem perceber, fecha os olhos, transitando entre a sonolência e o mundo real. Aí segundos se transformam em horas de sono ou vice versa. Como cheguei aqui no fim da música? Como passei... Como... Como cheguei em outra música? Como?
- Stacy? – Perguntou, ainda perdido e sonolento, oscilando entre o desmaio e a consciência – Stacy? É você? Stacy...
- Evan, Evan... – Ela segurou o rosto dele, tocando com a ponta dos dedos. O toque era delicado e cuidadoso, como se a qualquer momento ele fosse rachar feito um copo de vidro – Calma, você vai ficar bem. Você, você vai...
Lágrimas despencaram dos olhos escuros de Stacy. Ela o segurava nos braços como uma mãe com o filho. Ele sentia suas mãos, sentia seu calor em meio ao frio. E mais que isso, Evan sentia a neve caindo com mais força, quase congelando as lágrimas da garota. Ele fechou outra vez os olhos, desejando poder dormir e esquecer tudo o que tinha acontecido. Estava atordoado e o mundo girava sem nexo ao seu redor. Quando deu por si, já estava sentado, os braços dela o envolviam as costas e o rosto enterrado em seu ombro. Sentia o aperto. Reabriu os olhos, achando que eles já estavam abertos – devido à vívida sensação que o corpo da garota lhe trazia. Então reuniu forças para retribuir o abraço. Quando forçou a visão, enxergou Chris se abaixando para pegar algo do chão. Dentro de sua cabeça, a voz do outro gritava, as palavras estavam longe, mas Evan pôde identificá-las. Chris gritava “a arma, a arma, a arma”, uma dezena de vezes.
Estreitou os olhos, mais fundo, com mais força. O assistiu agarrar o objeto no chão, correr para dentro da casa após arrombar a porta. O sono veio outra vez. Evan sabia que talvez estivesse à beira da morte. Não sabia quantos metros fora arremessado, mas notou que suas pernas esticadas tocavam o limiar da calçada e do asfalto. Não tentou calcular a distância na qual voou e se espatifou quase no meio da rua. Afinal, os números nunca fizeram sentido na sua cabeça. Os braços ternos de Stacy o envolveram uma última vez, num aperto mais forte, Evan fechou os olhos, agora certo de que não voltaria a abri-los. Sentiu o corpo leve, embora pudesse movê-lo sem dores ou dificuldades. Desejava levantar, correr para casa e salvar a vida do pai, tirá-lo da iminência do pesadelo profético; queria salvar Chris, porque era o mínimo que deveria fazer, certo? O cara acabara de entrar numa tentativa que borrara todo o próprio plano de se manter longe de Krampus, num ato heroico e suicida; ele entrara na casa para salvar o pai de Evan, ou talvez apenas o fazia por causa do livro? É, claro. Era óbvio. Chris jamais se arriscaria por alguém. Apenas correra com a arma em punho para encontrar o livro e colocar fogo, na sua tentativa desesperada por sobrevivência. Que seja. Chris tinha feito o seu melhor, Evan não negaria tal verdade, muito menos estava decepcionado com a última dedução a seu respeito. Diante da morte, ele não conseguiu nutrir raivas ou mágoas. Era tudo limpo, silencioso e tranquilo.
Não havia agonias em morrer. Apenas paz.


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