5 de maio de 2011

Soprando no tempo


O jovem rapaz sentou-se no banco da praça. Havia um idoso ali. Ele lia o jornal, mas a data do mesmo era de semanas atrás, e a matéria se mostrava irrelevante. O rapaz era sábio demais para notar que mesmo aquela coisa realmente não seria importante para alguém. Era apenas um anúncio de canetas. Apenas isso.
Outra coisa intrigante era a atenção que o idoso mostrava ao nada: parecia ler e ao mesmo tempo não. Não estava de fato em lugar nenhum. O rapaz sentiu pena, talvez fosse este o fim dos homens que um dia tiveram uma enorme vida: esquecimento e insensatez.
Subitamente, o idoso moveu o pescoço e fixou os olhos no garoto. Entre a dentição perfeita e a ausência de vida estampada nos olhos, ele sorriu e disse:
- Veja você. O que faz aqui?
O rapaz não entendeu, manteve-se calado.
- Diga, filho. O que você faz aqui?
O rapaz deu uma olhada em volta: não havia ninguém naquele lugar. Apenas os dois pintavam o quadro morto da praça, como dois riscos fortes de ânimo em meio à depressão. Ou seria o contrário?
Sem a menor duvida, ele pensou que o idoso já estivesse sofrendo de um forte grau de loucura. A idade causava isso. Ele sentiu pena, mas não podia fazer nada.
- Não, eu não estou louco. – Insistiu o idoso.
- O quê?
- É o você está pensando, filho.
- Não!
- Sim.
- Como...?
O idoso riu novamente e voltou a contemplar o desprezível anúncio de canetas. Soltou um pesado suspiro e assumiu uma postura derrotada:
- Você se pergunta – ele começou a falar, pegando o rapaz de surpresa e o confundindo mais ainda – as razões que trouxeram um velho homem aqui, neste lugar, lendo esta coisa e flutuando nas próprias loucuras desgastadas. E então eu retruco: quais os motivos que um garoto jovem e livre como você tem de sentar-se neste lugar morto e sem vida?
O rapaz arregalou os olhos.
O velho continuou:
- E se você pudesse voltar ao passado, e conversar com você mesmo?
- Eu...
- É o que eu estou fazendo agora. E o que você fará daqui a anos. Quando perceber que se transformou num fantasma que apenas vaga por obrigação. Relembrará a época em que estava vivo e permitiu que a própria morte lhe batesse a porta. Não permita que isto aconteça, filho. Sei que você está morrendo, sei que você não deseja viver tanto quanto parece.
E sem mais uma palavra de ambos os lados, o velho homem levantou-se, dando as costas ao garoto e deixando-o – visivelmente – abalado por todas aquelas palavras. O velho pôde sorrir uma vez mais, e julgou muito bom ter visto a si mesmo numa época distante. Revivia as lembranças de sua adolescência, quando, cansado de todos os fracassos da pouca idade, caminhou pela cidade à procura de um sentido para a própria existência, e se deparou com um velho que lia um encarte de jornal sem importância.
A vida era interessante, pensou consigo mesmo. E regida pelo destino, o velho sabia: aquele garoto não ouviria o conselho, já que mesmo tão jovem, sua alma já estava moribunda e abandonada.
Morta.  


Seja lá o que isso tenha significado a vocês... Reflitam, eu acho.

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